Tentando explicar o
inexplicável
O literal “atropelamento”
da Seleção Alemã, sobre a Brasileira, no primeiro jogo das semifinais da Copa
do Mundo de 2014, no estádio do Mineirão, deixou o mundo do futebol, mesmo dos
nossos adversários mais ferrenhos, que torcem pelo fracasso dos únicos
pentacampeões mundiais, surpreso, perplexo e aturdido. Como todo mundo, também
fiquei (afinal, não sou de ferro). Como explicar o que aconteceu? Há
explicações? Talvez haja. Não me refiro ao bla-bla-blá oportunístico e covarde
dos medíocres, dos frustrados, dos profetas de catástrofes ávidos por poderem
arrotar, do alto de sua arrogância: “eu não disse?! Eu avisei” e coisas do
gênero.
É fácil sair atirando
para todos os lados, em circunstâncias como esta, atacando tudo e todos,
exigindo mudanças radicais até mesmo do que ostensivamente deu certo. Afinal,
destruir é a coisa mais fácil do mundo. Não envolve nenhuma ciência ou
complexidade. Construir é que são elas. Confesso que num primeiro momento, sobretudo
após o quinto dos sete gols alemães, me senti tentado a entrar nessa onda. Até
cheguei a dizer alguns palavrões bem cabeludos (Pudera!), felizmente não
testemunhados por ninguém. Assisti ao jogo sozinho, o que é ainda mais
complicado do que acompanhar partidas do tipo na companhia de poucos ou de muitos
torcedores. Já no sexto e sétimo gols não tive ânimo nem de xingar. Estava
anestesiado.
Diga-se de passagem que
o vexame – disparado o maior da centenária e vitoriosa história da Seleção
Brasileira – poderia ter sido maior, muito maior. O adversário, por uma razão
ou outra – ou para se poupar visando a final ou em respeito ao futebol
brasileiro, sabe-se lá – nitidamente “tirou o pé” do acelerador. Limitou-se a
tocar a bola, esperando o tempo passar. Se forçasse e mantivesse o mesmo ímpeto
que teve ao fazer quatro gols em míseros três minutos (nunca vi coisa sequer
parecida nem em jogos de várzea), provavelmente teríamos novo recorde de
goleadas, superando aqueles 10 a 1 sofridos por El Salvador em 1982, diante da
Hungria, na Copa do Mundo da Espanha.
Como explicar o que
aconteceu? Há alguma explicação? Da minha parte, não encontro nenhuma. Poderia
embarcar na canoa dos profetas de catástrofes, dos carniceiros de reputação, e
sair disparando a torto e a direito contra tudo e contra todos. Até me senti
tentado a fazê-lo. A razão não me permitiu. Afinal, estes não explicaram,
racional ou irracionalmente, coisa alguma. Limitaram-se a repetir os mesmos e
odiosos chavões que utilizaram em tantos outros fracassos brasileiros (que nem
foram poucos), nenhum deles, todavia, tão contundente quanto este (na esfera
esportiva), disparado o maior da centenária história da Seleção Brasileira.
Confesso que após o
jogo, senti-me tentado a não escrever mais nada sobre futebol. Ou, pelo menos,
passar anos sem fazê-lo. Relutei muito em alinhavar estas reflexões. Afinal, há
tempos deixei de ser cronista esportivo. O meu lado jornalístico (e tenho
orgulho de ser jornalista), está em recesso há muito, desde que me desliguei do
último jornal a que servi. Há pelo menos cinco anos que me considero
exclusivamente escritor (se bom ou ruim, não me cabe julgar, pela
impossibilidade de um autojulgamento isento). É nessa condição que decidi
encarar o desafio de tentar explicar o inexplicável, o que (talvez) faça nos
próximos dias, ou meses ou anos, sei lá. Não com colocações raivosas e
passionais, que servem, apenas (se
tanto), como válvulas de escape para desabafos, mas que não explicam coisíssima
alguma. O desafio está em racionalizar o irracional. O jornalista tem a
obrigação de se ater, exclusivamente, ao factual. Seu compromisso é tratar de
fatos, e exatamente como aconteceram, sem tirar e nem pôr. Já o escritor goza
de maior (diria total) flexibilidade. Compete-lhe “perenizar” fatos, extraindo
deles as lições que possam conter. Todos, por trivial que pareçam, contêm.
Como explicar, por
exemplo, que a mesma Alemanha, que enfrentou terríveis dificuldades para se
classificar para as oitavas de final contra a Argélia teve tamanha facilidade
para “atropelar” a Seleção Brasileira, em uma semifinal de Copa do Mundo e disputada
no Brasil? O futebol argelino é melhor do que o nosso? Ora, ora, ora. Creio que
nem os profetas de catástrofes se atrevem a chegar a tal conclusão (embora
nunca se saiba). Como explicar que a fria e eficiente equipe germânica, que
empatou a duras penas com Gana e por pouco tropeçou nos Estados Unidos, enfiou
sete gols (e poderia ter feito muitos mais) na equipe pentacampeã e que até
esse jogo era apontada como séria candidata ao hexa, até pelos oportunistas do “não
avisei”? Não valem “explicações” na base de clichês derrotistas, que não
explicam coisíssima alguma.
Antes que me apontem o
dedo acusador, vou logo avisando que não sou daqueles que consideram a Seleção
como “pátria de chuteiras”. Não é! É, somente, um grupo que representa “uma”
das tantas modalidades esportivas que se praticam no País, no caso, o futebol.
Quem perdeu, portanto, de forma tão vexatória e inexplicável, não foi o País,
como os dotados de um único neurônio interpretam. Foi um determinado grupo que
representa esse esporte em uma competição internacional, e só isso. Eu, você,
Fulano, Sicrano e Beltrano não perdemos coisíssima alguma. Só não vimos a
vitória de uma equipe que gostaríamos que ganhasse. Nada mais do que isso. Como
também não ganharíamos rigorosamente nada se os comandados de Felipão goleassem
os alemães e conquistassem o hexa. Ou será que se isso ocorresse nossas contas
bancárias seriam “engordadas” já nem digo com milhões, mas com mísero um real?
Óbvio que não!
Boa leitura.
O Editor
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Tive a sorte de assistir o achincalhamento da nossa Seleção em casa, com meu filho. Convidaram-me para festa, mas não fui. Foi a minha salvação. Sou totalmente passional. Quando vi entrar o terceiro gol e meu filho ir a cada um deles arregalando os olhos abismado, desliguei a televisão. Passei no Facebook e escrevi: "Meus heróis morreram de overdose de gols", nesta altura já em número de cinco, e fui me deitar. Confesso a minha dor e a minha covardia. Entendo que meninos que nunca haviam jogado juntos tenham sido ajuntados numa missão que eles não tinham estrutura para suportar, despedaçados pela ausência do capitão Thiago Silva e de Neymar. O primeiro gol os deixou atônitos, desnorteados, feito galinhas tontas e foi um massacre tão rápido, que não houve como se reestruturassem. Não vi as desculpas e nem as explicações. Como escrevi recentemente sobre o maracanaço, senti que o mineiraço tenha sido muitas vezes pior. Concordo com sua dificuldade em concatenar as ideias, tentar ser imparcial e buscar a racionalidade. Continua inexplicável, embora cada um de nós vá falando coisas até para minorar a própria dor. Também sinto que a minha vida não muda nem nesta situação nem na oposta. E agora ainda temos a Holanda para nos humilhar ainda mais. Deus, se é que ele existe, largou de mão os brasileiros.
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