Se a vergonha na cara existisse
* Por Rosana Hermann.
A coletiva de imprensa seria num
lugar acessível, bonito, com manobristas, um bom café da manhã, com canetas e
bloquinhos para todos, em abundância, para que os excedentes fossem levados
para casa.
No horário marcado, o técnico Parreira e todos os jogadores da seleção, entrariam na sala, sentariam em seus lugares, de cabeça baixa e uma tristeza de doer a alma, refletida em todos os pares de olhos úmidos.
Com a humildade que tanto
apreciamos nos nossos ídolos e a generosidade da qual não somos capazes mas
esperamos dos outros, a coletiva começaria, com transmissão ao vivo para a
Internet, tv e rádio. Todos os brasileiros teriam direito de questionar,
duvidar, cobrar e expressar a indignação que sentimos diante da derrota
vergonhosa do Brasil para a França. Parreira admitiria que é teimoso, cabeça
dura, confirmaria que não sabia o que fazer com Robinho e pediria perdão por
todos os seus erros. Ronaldo se pesaria na frente de todos os presentes e diria
que amarelou e contaria em detalhes o que aconteceu no final da copa de 98.
Kaká pediria perdão por ser
bonito e Ronaldinho Gaúcho por ser feio e, ambos diriam que não deram o melhor
de si, embora tenham tentado com todo ardor. Cafu falaria da dificuldade de
jogar bola em sua idade e pediria opiniões a todos sobre o futuro de sua
carreira. Roberto Carlos choraria de joelhos pedindo clemência e perdão sincero
por não ter marcado Zidane no jogo da desclassificação.
E assim, um por um, todos os
nossos heróis esportivos se renderiam às evidências que todos nós já
percebemos, admitindo o óbvio e pedindo clemência a seus verdadeiros patrões,
nós, a torcida brasileira.
Terminada a catarse, a
organização daria um coffee break com direito a perguntas individuais numa sala
ao lado, onde todos posariam para fotos e sessões de autógrafos.
Iríamos todos para uma área de
lazer, com piscina, massagens, comes e bebes e, depois de um bom filme,
voltaríamos para a sala de conferência. Desta vez, o tema seria política. E
todos os envolvidos nas CPIs confessariam seus ilícitos e pediriam punição. A
maioria abandonaria a vida pública ali mesmo.
Quando a noite chegasse e nossas
almas já estivessem lavadas e apaziguadas, um grande show com Ivete Sangalo,
Lulu Santos e outras estrelas pop encerraria o evento. Um pronunciamento
simbólico selaria um pacto de sinceridade a ser implantado a partir daquela
data, com o fim definitivo da corrupção na política e pela volta do amor à
camisa em detrimento de interesses de patrocinados. Claro, a cobertura da copa
do mundo também deixaria de ser um direito exclusivo e privado para se
transformar em patrimônio nacional, um direito aberto e de todos.
Seria mesmo maravilhoso. Seria um
sonho. Seria genial.
Duro é encontrar quem organize e financie o evento, quem pague os bloquinhos e o hotel, quem supervisione o pacto e apague a luz, no final. Duro é conviver com a triste realidade da extinção da vergonha na cara na vida nacional.
*Rosana
Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão,
humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora
de televisão.
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