Canavieiras
- Ba e sua quadrilha trocada: muito melhor do que as outras
* Por
Mara Narciso
As festas juninas são
coisa séria para quem mora no nordeste. Todas as comunidades se enfeitam para
seus arraiás e quadrilhas, e as comemorações duram o mês inteiro. Há
antecipação das férias escolares em nome dos festejos. Ainda mais neste ano,
com a Copa do Mundo no Brasil, a novidade fez as bandeirolas, antes
multicoloridas, tornar-se de plástico verde e amarelo, num autêntico ato
cívico, por toda a Bahia. Bandeiras brasileiras enfeitavam a cidade, tanto nas
casas quanto nos carros.
Os três santos
festejados em junho, Santo Antônio, São João, este em destaque, e São Pedro,
são homenageados com pequenas fogueiras em quase todas as portas (mesmo com o
tépido inverno nordestino), e as comidas de milho. Aculturada e acrescentada de
refrigerantes, batidas de vodca, cachorro quente, pastel, batata frita, algodão
doce, tiro ao alvo, tendas árabes, palco com som eletrônico para o arrocha ao
vivo, e algum forró, a festa de São João durou uma semana.
Muita gente, na pequena
Canavieiras, veio para o baile na Praça da Bandeira. A cidade, situada à beira
do lindo mar sul da Bahia, tem a paradisíaca praia Atalaia, separada do
continente pelo rio Patipe. Ainda que o frio fosse tímido neste dia, devido às
chuvas, poucas moças abriram mão do trivial short e camiseta, e foram
participar da festa.
Muitas crianças, mal
sabendo andar, com uma graça própria da idade, jogavam bombinhas de salão e
riam do pequeno estouro que faziam. Uma delas dava risadas altas, encantando a
plateia. As maiores soltavam traques, e não paravam de pedir para comprar
coisas. O som musical estrondava, e de vez em quando caía um chuvisco fino,
apenas para fazer o povo correr para debaixo das tendas. Uma festa animada e
original.
Mais original ainda é a
Travação, sua quadrilha trocada. Antes do encontro principal, viam-se passar
moças vestidas de rapazes e rapazes vestidos de moças. Elas portavam calças
compridas, remendadas, camisas xadrez, cabelos presos, chapéus, bigodes e
barbas feitos a lápis crayon, enquanto eles portavam mini-saias, feito saiotes
embabadados e provocantes e blusas tomara que caia, em cores fortes. Trata-se
da quadrilha principal da cidade, com seus 18 anos de história, mantendo de pé
a ideia de travestir os moços para preservar a cultura de forma descontraída e
fazer graça. Eles faziam uma graça bonita, com seu agitado e insuspeito número
de pares. É que, para participar, basta o par chegar fantasiado e com dois
quilos de alimentos não perecíveis. O número de dançarinos pode chegar a 200.
Considerada uma das
maiores quadrilhas do mundo, a Travação sai da Praça Maçônica, indo até a Praça
da Bandeira, e se apresenta nos dias 23 e 24 de junho. Na rua principal, lá
vinham eles, seguindo um mini-trio elétrico, onde a “crooner” e educadora Duda
Ribeiro animava a turma, dando ordens para a sequência de passos e seu
andamento. A dança era acelerada, quase corrida, com volteios, idas e vindas,
formando um caracol ondulante no miolo da cidade.
Caía mais uma chuvinha
fria, o que fazia a animação aumentar. Tudo acontecia em harmonia, até aparecer
um gaiato, sempre algum deles aparece, para atravessar o baile com seu carro,
pois não aceitou esperar e não quis fazer a volta. A moça pediu ao microfone,
que os casais deixassem o carro passar em paz, e que não hostilizassem o
motorista, pois educação, nem todos têm.
A criançada fazia
algazarra diante dos saltitantes dançarinos, que, maquiados, e com as pernas de
fora, mostravam agilidade e força de atletas, correndo de um lado para outro,
unindo dois quarteirões, e fechando o cruzamento. Nada tirava o fôlego daquela
turma de bravos dançarinos. As moças fingiam serem homens, mas quem as pegava
no colo fazendo piruetas e as jogando para o alto, eram os rapazes cheios de
músculos e pernas cabeludas emergindo dos seus engraçados saiotes. A cena sui
generis atraía a curiosidade dos turistas, como também de toda a cidade, mesmo
de quem já estava acostumado com a brincadeira. Pena que a iluminação pública
precária dificultava tirar fotos de qualidade, pelo menos com as máquinas
amadoras.
Entre fogos e música, o
trio elétrico era seguido pela quadrilha, que, com passadas largas, quase a
correr, seguia em direção à praça. Com seu inusitado bailado, os dançarinos
fizeram um São João feliz, assim como marcaram presença para o turista não se
esquecer da cena e o conterrâneo se orgulhar para sempre. Travação é a
quadrilha trocada de Canavieiras.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Olha só, nunca tinha ouvido falar dessa modalidade. É a versão junina dos blocos dos sujos que temos em inúmeras cidades, no Carnaval. Bacana, Mara. Abraços.
ResponderExcluirTambém achei uma curiosidade que valia a pena divulgar. Muito obrigada pela passagem e leitura, Marcelo.
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