quarta-feira, 9 de julho de 2014

Canavieiras - Ba e sua quadrilha trocada: muito melhor do que as outras

* Por Mara Narciso

As festas juninas são coisa séria para quem mora no nordeste. Todas as comunidades se enfeitam para seus arraiás e quadrilhas, e as comemorações duram o mês inteiro. Há antecipação das férias escolares em nome dos festejos. Ainda mais neste ano, com a Copa do Mundo no Brasil, a novidade fez as bandeirolas, antes multicoloridas, tornar-se de plástico verde e amarelo, num autêntico ato cívico, por toda a Bahia. Bandeiras brasileiras enfeitavam a cidade, tanto nas casas quanto nos carros.

Os três santos festejados em junho, Santo Antônio, São João, este em destaque, e São Pedro, são homenageados com pequenas fogueiras em quase todas as portas (mesmo com o tépido inverno nordestino), e as comidas de milho. Aculturada e acrescentada de refrigerantes, batidas de vodca, cachorro quente, pastel, batata frita, algodão doce, tiro ao alvo, tendas árabes, palco com som eletrônico para o arrocha ao vivo, e algum forró, a festa de São João durou uma semana.

Muita gente, na pequena Canavieiras, veio para o baile na Praça da Bandeira. A cidade, situada à beira do lindo mar sul da Bahia, tem a paradisíaca praia Atalaia, separada do continente pelo rio Patipe. Ainda que o frio fosse tímido neste dia, devido às chuvas, poucas moças abriram mão do trivial short e camiseta, e foram participar da festa.

Muitas crianças, mal sabendo andar, com uma graça própria da idade, jogavam bombinhas de salão e riam do pequeno estouro que faziam. Uma delas dava risadas altas, encantando a plateia. As maiores soltavam traques, e não paravam de pedir para comprar coisas. O som musical estrondava, e de vez em quando caía um chuvisco fino, apenas para fazer o povo correr para debaixo das tendas. Uma festa animada e original.

Mais original ainda é a Travação, sua quadrilha trocada. Antes do encontro principal, viam-se passar moças vestidas de rapazes e rapazes vestidos de moças. Elas portavam calças compridas, remendadas, camisas xadrez, cabelos presos, chapéus, bigodes e barbas feitos a lápis crayon, enquanto eles portavam mini-saias, feito saiotes embabadados e provocantes e blusas tomara que caia, em cores fortes. Trata-se da quadrilha principal da cidade, com seus 18 anos de história, mantendo de pé a ideia de travestir os moços para preservar a cultura de forma descontraída e fazer graça. Eles faziam uma graça bonita, com seu agitado e insuspeito número de pares. É que, para participar, basta o par chegar fantasiado e com dois quilos de alimentos não perecíveis. O número de dançarinos pode chegar a 200.

Considerada uma das maiores quadrilhas do mundo, a Travação sai da Praça Maçônica, indo até a Praça da Bandeira, e se apresenta nos dias 23 e 24 de junho. Na rua principal, lá vinham eles, seguindo um mini-trio elétrico, onde a “crooner” e educadora Duda Ribeiro animava a turma, dando ordens para a sequência de passos e seu andamento. A dança era acelerada, quase corrida, com volteios, idas e vindas, formando um caracol ondulante no miolo da cidade.

Caía mais uma chuvinha fria, o que fazia a animação aumentar. Tudo acontecia em harmonia, até aparecer um gaiato, sempre algum deles aparece, para atravessar o baile com seu carro, pois não aceitou esperar e não quis fazer a volta. A moça pediu ao microfone, que os casais deixassem o carro passar em paz, e que não hostilizassem o motorista, pois educação, nem todos têm.

A criançada fazia algazarra diante dos saltitantes dançarinos, que, maquiados, e com as pernas de fora, mostravam agilidade e força de atletas, correndo de um lado para outro, unindo dois quarteirões, e fechando o cruzamento. Nada tirava o fôlego daquela turma de bravos dançarinos. As moças fingiam serem homens, mas quem as pegava no colo fazendo piruetas e as jogando para o alto, eram os rapazes cheios de músculos e pernas cabeludas emergindo dos seus engraçados saiotes. A cena sui generis atraía a curiosidade dos turistas, como também de toda a cidade, mesmo de quem já estava acostumado com a brincadeira. Pena que a iluminação pública precária dificultava tirar fotos de qualidade, pelo menos com as máquinas amadoras.

Entre fogos e música, o trio elétrico era seguido pela quadrilha, que, com passadas largas, quase a correr, seguia em direção à praça. Com seu inusitado bailado, os dançarinos fizeram um São João feliz, assim como marcaram presença para o turista não se esquecer da cena e o conterrâneo se orgulhar para sempre. Travação é a quadrilha trocada de Canavieiras.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”    

2 comentários:

  1. Olha só, nunca tinha ouvido falar dessa modalidade. É a versão junina dos blocos dos sujos que temos em inúmeras cidades, no Carnaval. Bacana, Mara. Abraços.

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    1. Também achei uma curiosidade que valia a pena divulgar. Muito obrigada pela passagem e leitura, Marcelo.

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