sexta-feira, 11 de julho de 2014

Boladas no céu da boca

* Por Fernando Yanmar Narciso

De todas as virtudes do povo brasileiro, a soberba não deveria jamais constar na lista. Justiça seja feita: Eram 32 times, representando 32 nações, todas elas de olho na “Taça” Fifa- um artefato indecifrável, que até hoje creio ter sido projetado por extraterrestres- e na consagração máxima diante dos olhos do mundo. Então, não foi arrogância de nossa parte quando acreditamos que, pelo simples fato de termos recriado o esporte à nossa maneira há 60 anos, monopolizado o “caneco” cinco vezes e sermos o país-sede do torneio, nossa vitória já era certa e sabida?

Humildade sequer entrou na pauta da atual seleção brasileira. Era vencer ou vencer, como disse o Parreira. Derrota simplesmente não foi uma opção a ser discutida com o time. A História nos provou inúmeras vezes que toda vez que a seleção e a torcida se deixam contagiar pelo detestável clima de “já ganhou”, o resultado é catastrófico.

Apesar de nosso destino cruel nos pés alemães, ambos os times tiveram trajetórias semelhantes no torneio. Na primeira fase ambos os times tiveram uma vitória de quatro pontos e empates ardidos contra seleções modestas. Na segunda vencemos no sufoco um rival tradicional e times de razoáveis para medianos. De ambas se esperava muito espetáculo de futebol-arte e a torcida ficou só na espera.

Mas precisávamos mesmo ter levado uma boiada tão acachapante? Será que merecíamos aquele vexame tão inominável diante de uma Alemanha que, estatisticamente falando, nem é lá essas coisas? Quer dizer, o time montado pelo sósia paraguaio de Jackie Chan não foi nem de longe uma reunião de talentos capaz de encher os olhos do torcedor, mas que estiveram mais preparados para o torneio que os canarinhos, não há dúvida alguma!

Quer dizer, basta olhar praquele time! Uma delegação de rugby disfarçada de time de futebol! Nossos jogadores esquálidos não representavam qualquer ameaça àqueles galamprões teutônicos. Era como se você fosse o boneco do jogo Pitfall do Atari e de repente esbarrasse com os personagens de Street Fighter!

O coração do nosso time esteve no lugar certo do primeiro ao último minuto de sua atuação na copa, já a cabeça e os músculos, não. Você olhava pra eles, enfileirados, aos prantos na hora de berrar o hino, e chegava a pensar como pudemos ser tão cruéis com aqueles carinhas! Nunca haviam tido experiência em copas, não passaram pelas eliminatórias, que é o martelo de bife pelo qual toda carne de segunda precisa passar para alcançar a maioridade.

A maioria dos rostos o país só conheceu no dia da convocação, e ainda tivemos sadismo e ingenuidade para depositar o peso da nação nas costas daqueles pivetes? Tirando o Hulk e mais uns quatro ou cinco, o resto tinha cara de quem descobriu ontem a pornografia na internet. O insuperável e magnânimo 7x1 talvez não seja uma punição merecida, mas foi um choque de realidade.

Agora não tem mais volta, a CBF precisa passar por um Ctrl+Alt+Del secular se quisermos recuperar a autoestima e a soberania da alegria do povo. Por outro lado, e se tivesse sido o contrário? Teria sido justo com aqueles moleques se, por obra do acaso, eles tivessem humilhado a Alemanha- claro que não por um placar tão rocambolesco- e, assim, sido enviados à final contra a Argentina? De todos os países, logo a Argentina!

Teria sido justo com eles, se depois de uma copa vencida até a semifinal literalmente aos berros e lágrimas, todos os problemas com preparo psicológico, pouco treino, tietagem de fãs fora de hora e milhões gastos em campanhas publicitárias patéticas fossem subitamente “perdoados” e os caras fossem transformados em heróis da nação sem ter convencido em campo? Em uns 40 anos, os “segredos” do sucesso da seleção de Felipão na copa de 2014 ainda seriam objeto de estudo. Parreira chegaria até a lançar o livro “Formando Equipes Vencedoras: O Retorno”! Imaginem a situação!

Foi inegavelmente a Mãe de Todas as Copas! A copa do mundo revisionista foi de fato implacável e democrática, sem preconceitos contra nenhum país. Os países-divas do futebol receberam a primeira prova real de seu valor no campo em anos, seus títulos e tradições não representaram ameaça às verdadeiras onças vindas dos mais improváveis rincões do mundo. Foi a primeira copa onde, literalmente, qualquer país teve chances reais de sair vitorioso, pelo menos quanto ao nível tático. Já quanto ao nível técnico é outra história...

O que acompanhamos por um mês não foi uma copa do mundo de futebol, e sim de uma nova modalidade esportiva: O xadrez humano. 90% dos jogos foram truncados, sem fluidez, onde os dois bandos de palermas só resolviam tentar mostrar a que vieram na prorrogação, e geralmente continuavam desapontando o torcedor. Se isso for o novo futebol-arte, o padrão que todos os times ao redor do mundo passarão a seguir após a copa, é melhor criarmos um novo nome pra “alegria do povo”...

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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Um comentário:

  1. O tempo vai passando e a deglutição dessa catástrofe vai se tornando mais palatável, mas como dói.

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