domingo, 4 de novembro de 2012

Liberdade sofrida

* Por Henry Miller

Em tempos pensei que tinha sido ferido como homem algum jamais o fora. Por sentir isso, jurei escrever este livro. Mas muito antes de começar a escrevê-lo a ferida cicatrizou. Como jurara cumprir a minha tarefa, reabri a horrível ferida.

Deixem-me explicar por outras palavras. Talvez ao abrir a ferida, a minha própria ferida, tenha fechado outras feridas, feridas de outras pessoas. Morre qualquer coisa, floresce qualquer coisa.

Sofrer na ignorância é horrível. Sofrer deliberadamente, para compreender a natureza do sofrimento e aboli-lo para sempre, é muito diferente. O Buda, como sabemos, teve toda a vida um pensamento fixo no espírito: eliminar o sofrimento humano. Sofrer é desnecessário. Mas temos de sofrer para compreender que é assim.

Além disso, é só então que o verdadeiro significado do sofrimento humano se torna claro. No derradeiro momento desesperado – quando não podemos sofrer mais! – acontece qualquer coisa que tem a natureza de um milagre.

A grande ferida aberta pela qual se escoava o sangue da vida fecha-se, o organismo desabrocha como uma rosa. Somos «livres», finalmente (...). Não são as lágrimas que mantêm viva a árvore da vida, mas sim o conhecimento de que a liberdade é real e eterna.


Do livro “Plexus”.


* Escritor norte-americano, autor da trilogia “Sexus”, “Plexus” e “Nexus”, entre outros livros.

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