sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Turistas nadando no Cenote Ik-Kil
O cenote

* Por Jair Lopes

Próximo à cidade em que vim ao mundo, Palmeira, existe um enorme formação rochosa de arenito que, onde aflorou, deu origem a Vila Velha, monumentos rochosos naturais esculpidos por água e ventos; e, onde não é visível, permite a existência de rios subterrâneos que, eventualmente, formam cavernas, uma das quais descobri juntamente com meu primo Joel e já a descrevi neste blogue. Pois bem, os rios subterrâneos tendem a corroer o arenito formando a ditas cavernas e, em alguns casos, o teto desmorona dando forma a buracos redondos que lá chamamos de furnas. Bem próximo a Vila Velha existem três furnas, sendo a mais impressionante um poço circular de oitenta metros de diâmetro com mais de cem metros de profundidade e cinquenta metros de água.

Na península de Yucatán acontece algo semelhante, mas em escala centenas de vezes maior e mais espetacular. A península de Yucatán é uma planície calcária e não possui córregos ou rios de superfície. Contudo, por ser calcária – e o calcário é rocha menos resistente que o arenito – há uma profusão de rios subterrâneos. Mais do que no Paraná os rios da península formam cavernas em maior número e estas, também em maior número, tendem a desmoronar formando poços arredondados e profundos, lá chamados cenotes. Esses cenotes – mais de oitocentos - estão espalhados por toda a península, mas o mais importante chama-se cenote sagrado de Chichén Itzá e está localizado junto ao sítio arqueológico maya Chichén Itzá que numa tradução livre quer dizer "boca do poço do Itza".

Os mayas consideravam que o cenote sagrado era uma das três entradas para o paraíso dos mortos. Eles acreditavam que podiam se comunicar com os deuses e ancestrais, oferecendo sacrifícios no cenote. Os Mayas costumavam rezar por colheitas abundantes, chuvas boas e fortuna. Depois do “descobrimento” até padres coletavam água do cenote que eles julgavam ser sagrado, para eles a água era benta. Os sacerdotes mayas lançavam oferendas em forma de cerâmica, peças de ouro e prata e, eventualmente, prisioneiros sacrificados ao cenote.

Porque a água dos cenotes é altamente alcalina costuma preservar até objetos perecíveis. Objetos de madeira, por exemplo, que em outro meio teriam desaparecido, foram encontrados em boas condições naquela água. A possível existência de valiosos tesouros no fundo do cenote sagrado aguçou a ganância de exploradores desde que se descobriu Chichén Itzá. Assim, em 1904, Edward Herbert Thompson, vice-cônsul dos EUA no México, comprou a área de Chichén Itzá com o único intuito de prospectar o fundo do cenote sagrado em busca de tesouros mayas. Para isso usou um sistema de roldanas acionado por motor a vapor que incluía uma série de grande baldes numa corrente, os quais, como uma draga, iam retirando a lama do fundo e vertendo-a numa depressão próxima. Em seguida pesquisava-se a lama que acabou oferecendo uma grande variedade de objetos de madeira, incluindo armas, cetros, ídolos, ferramentas e jóias. Jade foi a maior categoria de objetos encontrados seguido de têxteis. A presença de jade, ouro, cobre no cenote oferece uma prova da importância das Chichén Itzá como um centro cultural. Nenhuma dessas matérias-primas é nativa do Yucatán, supondo que pessoas (outros mayas) viajaram para Chichén Itzá de outros lugares da América Central, a fim de adorar os deuses. Pedra, cerâmica, ossos humanos e conchas também foram encontrados no cenote. Arqueólogos descobriram que muitos objetos mostram evidências de serem intencionalmente danificados antes de serem jogados no cenote, denotando uma ritualidade não muito clara do porquê dessa atitude.

A maioria das principais descobertas do cenote feitas sob a supervisão de Edward Herbert Thompson ele vendeu. Oitenta por cento do resultado dessa busca de Thompson pode ser encontrado no Museu Peabody da Universidade de Harvard, os restantes vinte por cento foram vendidos para o governo mexicano e se encontram no Museu Maya na Cidade do México.

Em 1909, Thompson decidiu mergulhar no cenote para explorar o fundo. Apesar da pouca visibilidade ele encontrou uma camada de cinco metros de lama que continha vários objetos de ouro. Em 1961, William Folan, um diretor de campo para o Instituto Nacional de Antropologia e Historia (INAH), ajudou a lançar outra expedição ao cenote.

Algumas das suas descobertas notáveis incluíram um osso com inscrições e uma faca de obsidiana com cabo de ouro, revestida numa bainha de madeira com mosaico de jade e turquesa. Em 1967, Román Piña Chán fez outra expedição. Ele tentou dois novos métodos que muitas pessoas tinham sugerido por um longo tempo: o esvaziamento da água do cenote e clarificação da água. Ambos os métodos foram apenas parcialmente bem sucedidos. Apenas cerca de quatro metros de água puderam ser removidos, o cenote é alimentado por rio subterrâneo que impede seu esvaziamento total. Também a água foi clarificada por apenas um curto período de tempo.

Depois dessas incursões não muito produtivas, o governo mexicano proibiu quaisquer prospecções no local e o definiu como patrimônio histórico nacional. Tive oportunidade de visitar o Cenote Ik-kil que está liberado para natação para os turistas. Para isso, foi construída uma “rampa” em forma de túnel em espiral que dá acesso ao espelho d’áqua a quase trinta metros de profundidade. Atualmente, mergulhadores especializados em cavernas costumam explorar outros cenotes do Yucatán onde têm encontrado ossos de animais pré históricos e algumas ossadas humanas eventualmente, mas nunca tesouros.

• Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.

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