sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Marca do pênalti

* Por Rodrigo Ramazzini

João Miguel sentiu que o próprio futuro não seria mais o mesmo quando o árbitro trilou o apito e com o braço esquerdo apontou a marca do pênalti, depois da sua tentativa de driblar o goleiro na grande área, que tocou o seu tornozelo e o derrubou.

Era o jogo final do campeonato nacional de futebol. A vitória levava à consagração do título. Obviamente, o estádio estava lotado e a torcida cantava de forma enlouquecida os cânticos do time. João Miguel era o cobrador de pênalti oficial da equipe, apesar de ter ganhado espaço no elenco principal há pouco mais de um ano. Subira das categorias de base do time e herdara a camisa de número 11, que havia passado boas temporadas sem ter um titular absoluto. Canhoto, jogava pelo lado direito do campo, armando as jogadas. Era conhecido pela técnica e pela potência dos chutes de fora da área. Alguns comentaristas de futebol já o apontavam como provável jogador a vestir a “amarelinha”, em um futuro bem próximo. Mas, tudo poderia passar por aquele pênalti. Fazendo o gol, a glória. Errando, uma marca que poderia ter que carregar pelo resto da vida.

Enquanto colocava a bola na “marca da cal”, a torcida gritava euforicamente seu nome, repetindo duas vezes o primeiro nome “João João Miguel! João João Miguel!”

Largou a bola e caminhou cerca de dois metros para trás. Com as mãos na cintura e de cabeça baixa, perguntou-se – Em qual canto eu bato? Ganhara tempo para pensar, pois o goleiro adversário era atendido pelo departamento médico.

Um companheiro de time se aproximou e disse – Como nós treinamos! Como nós treinamos! Vai dar certo! Vamos lá!

Em um “flashback”, lembrou-se do tempo que era moleque na várzea e viveu situação semelhante, quando na final de um campeonato amador, um pênalti foi marcado e ele também era o cobrador. Na ocasião, errou a cobrança e o time perdeu o título, fato que nunca saiu da sua memória. - Passaria pelo mesmo filme novamente? – questionou-se. Sentiu um “friozinho na barriga”, associado ao nervosismo. Fechou os olhos. Os músculos do rosto tremiam pela tensão. Respirou fundo. À época, bateu o pênalti no canto direito do goleiro, que espalmou a bola para fora de campo. Repetiria a cobrança no mesmo lugar para desafiar o destino? Ou chutaria no outro canto? “Posso dar um chute forte no meio da goleira, também!”, pensou. Difícil escolha. Um passo do céu ou do inferno. Ou melhor, um chute. O passado insiste em se intrometer no presente. Mas, há horas em que é preciso decidir.

O goleiro adversário levanta-se e posiciona-se embaixo das traves. O árbitro fazendo um sinal de positivo com a mão esquerda questiona-lhe se está tudo pronto. É chegada a hora. Um silêncio sepulcral toma conta do estádio. Há vezes na vida em que é melhor desafiar o óbvio. Arriscar. O companheiro de time grita novamente – Como nós treinamos! João Miguel esboça um pequeno sorriso. A escolha estava feita. O apito do árbitro soa. Autorização concedida. Com o pé direito ele inicia a corrida até a bola, em um lance que parece transmitido quadro a quadro pela televisão devido à plasticidade dos movimentos. Com o pé esquerdo, em um leve toque, João Miguel apenas rola a bola diagonalmente para frente. Não é habitual, mas pênaltis podem ser cobrados em dois toques.

A sorte estava lançada. João Miguel e o companheiro de equipe treinaram exaustivamente o lance nas últimas semanas. Ele rolaria a bola e o companheiro de time viria pela sua direita e finalizaria o lance, com o goleiro adversário, supostamente, já tendo caído para um dos lados. Daria certo?

João Miguel faz a sua parte e fica estático esperando o restante do lance se desenrolar. Por um segundo, pensou o pior. Parece que todos os jogadores invadem a grande área ao mesmo tempo. Um adversário pelas costas o derruba. No chão, entre pernas e calções, não consegue ver o destino da bola...

O destino de cada um já está escrito ou há o livre arbítrio para escrevê-lo?

Um segundo depois, ocorre a explosão de comemoração da torcida!

• Jornalista e contista gaúcho

Um comentário:

  1. Jurava que não entraria, pois, por qual motivo se narraria um cobrança de pênalti habitual? Vi que me enganei. É gol!

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