sábado, 2 de outubro de 2010




Netos

* Por Raquel de Queiroz


Netos são como heranças. Você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso. De repente, lhe caem do céu...

O neto é, realmente, o sangue do seu sangue, filho do filho, mais filho do que filho, mesmo...

“Os netos são filhos com açúcar”.

Cinquenta anos, cinquenta e cinco...

Você sente, obscuramente, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem suas alegrias, as suas compensações. Todos dizem isso, embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto, mas acredita.

Todavia, também obscuramente, sente que, às vezes, lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Do tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças?

Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento e prestações, você não encontra de modo algum as suas crianças perdidas.

Sem dores, sem choros. Aquela criancinha da qual você morria de saudades, chega. Símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um filho seu que lhe é devolvido.

E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância. Ao contrário, causaria espanto, decepção, se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá netos para nos compensar de todas as perdas trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis.

É quando vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre o olho e diz:

“VÓ”, que seu coração estala de felicidade, como pão no forno!


• Romancista, tradutora, jornalista e dramaturga, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, ganhadora do Prêmio Camões.

2 comentários:

  1. Também quero um neto, para brincar um pouquinho, com a mãe logo ali, ao alcance da mão, para acudir caso seja preciso. Não mais que medo, é apenas medo. A hiperatividade do meu filho me sansou por muitas gerações.
    Destaco:
    "E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância. "
    Difícil cunhar uma frase dessas. Aplausos.

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