sexta-feira, 8 de outubro de 2010




Greve

* Por Rodrigo Ramazzini

Diálogo entre esse cronista e seu espaço da coluna de crônicas.

- Bom dia, espaço!
- Bom dia.
- Ué! O que foi? Por que essa cara?
- Nada.
- Como nada?
- Não tem nada.
- Então, se não tem nada, vamos trabalhar!
- Não.
- Como não?
- Porque não!
- Por que não?
- Estou em greve.
- Como em greve?
- Ora, como se fica em greve, Ramazzini? Acorda!
- Por que em greve?
- Cansei!
- Por que cansou?
- Mas tu fazes pergunta, hein? Que chato!
- Preciso saber! Não achas?
- Cansei! São seis anos juntos e o que eu ganhei em troca, prezado cronista?
- Ora, mas tu és mal agradecido, hein? Toda a semana eu te preencho com idéias, com histórias... Por que não dizer com cultura, hein?
- Ah, sim! São seis anos de idéias furadas e ridículas, histórias sem pé nem cabeça, erros de português... E quem coloca a cara para bater, hein? Me diz? Me diz? Euzinho! Eu que tenho que ouvir e agüentar as críticas dos leitores...
- Mas quando surgem elogios... Tu gostas, né?
- Pelo menos alguém de vez em quando reconhece o meu esforço!
- O teu ou o meu esforço?
- Egoísta!
- Só eu sou egoísta?
- É sim! Estou em greve. Espaço fechado. Essa semana não terá crônica!
- Por quê?
- Porque não!
- Só não estou entendendo por que tanta mágoa, hein? Por que tanta revolta, espaço?
- Sentimento reprimido, Ramazzini! Sentimento reprimido...
- Calma! Vamos conversar... Pô! São seis anos de parceria completada hoje. Não é pouca coisa, não! Achei que não havia segredos entre a gente... Que possuíamos um canal de diálogo constantemente aberto...
- Pois é...
- Pois é! Aí eu levanto cedo da cama para fazer uma crônica e me deparo contigo em greve. Só queria saber o real motivo... Posso?
- Falta de reconhecimento, Ramazzini! Pronto! Falei...
- Como assim?
- Como assim, Ramazzini? Em seis anos, tu já escreveste mais de trezentas crônicas. Agora me diz: qual delas possui, mas me cita uma, pode ser apenas uma, que fizesse alguma referência ao meu trabalho, me fizesse um agradecimento, uma parabenização... Me diz?
- Deixa-me ver...
- Não precisa perder tempo. Não tem! Nenhuma delas fala de mim!
- Pô! Achei que éramos parceiros no trabalho e que não havia essa necessidade...
- Achaste errado!
- Tu sabes que é o meu quadrado... Quero diz... Retângulo preferido...
- Não sei! Não sou adivinho. Carinho se demonstra na prática.
- Então, o que queres que eu faça?
- Aproveita que estamos de aniversário hoje e declara para todo mundo o amor que tens por mim! Que sem eu, tu não vives! Essas coisas...
- Também, não é assim!
- Como é que é?
- Calma! Brincadeirinha... Deixa-me pensar...
- Vamos, Ramazzini! Sempre cheio de idéias e agora travou, hein? Sem declaração a greve não termina...
- Eu...
- Anda logo, Ramazzini!
- Eu declaro que esse espaço de crônicas é para mim...

Pausa...

- Por que paraste, Ramazzini?
- Porque sim!
- Mas por quê? Estava indo tão bem...
- Porque acabo de decidir entrar em greve, também!
- Ué! Por quê?
- Ora, simples: pelos mesmos teus motivos! Há! Há! Há!
- Por que está rindo?
- Quero ver quem vai escrever em ti agora, espaço!

• Jornalista

2 comentários:

  1. Não sei quem é mais dono do espaço, o próprio espaço ou o cronista. Diálogo bem imaginativo. Falar com o papel em branco e em condições de igualdade, já li, mas com o espaço da tela, é a primeira vez. Desafio é achar a ideia. Desenvolvê-la não é o mais difícil. E o tema foi bom. Vamos ver o que dizem os outros. Poucos, devido ao feriadão para quem pode.

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  2. Idéia interessante mas que se formos
    pensar seriamente chega a ser angustiante.
    Vivo com a cabeça tão cheia de idéias e mil
    pedacinhos de papel pra escrever, que quando
    um de nós resolver fazer uma greve, teremos antes
    que nos organizar.
    Texto inusitado Rodrigo.
    Muito bom.
    Abração

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