terça-feira, 7 de julho de 2009




A Macabéa de cada um de nós

* Por Risomar Fasanaro

Desde os 12 anos ensaiava o que eu queria ser quando crescesse: escritora. Assim que vim de Pernambuco, pedi a minha mãe para estudar datilografia, pois se iria ser escritora precisava o quanto antes dominar meu instrumento de trabalho. Além disso, achava chiquérrimo saber bater à máquina, trabalhar em um escritório. Faria isso enquanto não me tornasse escritora.
..
Mas não cheguei a concluir o curso. Aquela hora e meia que passava diante de uma máquina de escrever, com o teclado coberto por uma peça de madeira que deixava minhas mãos absolutamente cegas, não era tão atraente como eu imaginava. Não tinha chegado à metade dos exercícios quando pedi a minha mãe para deixar o curso, pois me achava suficientemente preparada. Também não disse que profissão escolhera. Escrevia escondido. Tinha, com muita razão, vergonha de mostrar meus escritos.

Mas não ter concluído aquele curso me valeu um dos maiores vexames que passei na vida. Assim que, com 19 anos e um filho, me separei do meu primeiro marido, iniciei o curso de Magistério, e comecei a procurar emprego. Em todos se exigia habilidade em datilografia. Tentei um no escritório de uma loja de tecidos das Casas Pernambucanas, em SP, mas nunca mandaram me chamar. Sequer disseram por que eu não estava apta ao cargo. Coisa que hoje sei muito bem por quê. Foi assim que fui parar na Reitoria da USP, para fazer um teste. Se fosse aprovada iria trabalhar na própria reitoria.

Havia umas oito pessoas no exame de seleção e quando a examinadora nos propôs um tema para redação, achei que seria moleza. Achava que afinal se o teste fosse apenas a redação, eu conseguiria trabalhar ali. Escrevi sobre o Brasil, um país de contrastes, que foi o tema dado. Já me “vi” toda feliz naquela sala trabalhando. Mas alegria, todos sabemos, não é um bem duradouro.

Assim que recolheu as redações, a moça nos anunciou que a segunda parte do exame seria uma prova de datilografia. Ela entregou-nos um texto impresso e nos pediu que o copiássemos. Mesmo assim, pensei: datilografar não é nenhum bicho de 7 cabeças. Assim pensei porque até aquela altura, não sabia o porquê de ter sido recusada nos outros locais em que procurei emprego...Li o texto e me preparei para começar.

Foi aí que começou o drama!...Era o texto de uma lei. E ela havia escolhido alguns artigos para o teste. Quando li Artigo 1 , esfriei. Por mais que procurasse, não encontrava o número 1. Por que ela me havia dado uma máquina com defeito, uma máquina com teclas que não existiam?

Vendo-me parada, a examinadora me perguntou o que estava acontecendo. Inocentemente, comuniquei a ela que aquela máquina não tinha o número 1. Ela então me disse: o número 1 se escreve com o l minúsculo. Muito tímida, senti o sangue subir e meu rosto se tornar vermelho. Ah...é...digitei o l e procurei o zero que indica primeiro. Também não o encontrei.

Pulei aquela parte e fui datilografando os artigos. Àquela altura, meus concorrentes já estavam terminando de escrever e eu, mais incompetente que Macabéa de “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector, ia a passos de tartaruga copiando o texto. Maldisse até a última geração o dia em que desisti do curso de datilografia. Fui a última a entregar.

Na hora da saída ainda tive a ingenuidade (ou o cinismo?) de perguntar:
-Que dia é pra vir ver o resultado?
E a moça com toda delicadeza me acalmou:
-Não precisa vir não. Eu comunico por telefone...

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

3 comentários:

  1. Ah, que pena! Mas as Casas Pernambucanas e a Usp não sabem o que perderam. De toda forma, para o jovem, nunca é fácil o primeiro emprego, haja vista o problema de hoje, né? Agora, comigo: a, s, d, f, g ... ç, l, k, j, h ... Dentro de hora e meia volto para tomar o ponto. Que tal, Ris? Aí,a gente aproveita para tomar um cafezinho, comer uns biscoitinhos e conversar demoradamente sobre esta deliciosa crônica que nos remete aos anos 50/60 e seus lucrativos cursos de datilografia. Eu fiz o Ted, mas tb não terminei, pq pirei antes. Cato milho, mas dá pro gasto. Parabéns.

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  2. Adorei seu comentario, Daniel. A Macabea aqui agradece. Pois num é que depois que a conheci, vi que temos muito em comum?
    Beijo
    Risomar

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  3. Adorei, Risomar. Ainda na faculdade de direito passei nas primeiras fases de um concurso de Tribunal Regional do Trabalho , mas me saí bem pior que você na prova de datilografia e fui eliminada. Beijão.

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