CARTAS QUE NÃO SE REPETIRÃO JAMAIS Nº 9 – DE URDA
ALICE KLUEGER PARA GILBERTO GIL E CAETANO VELOSO
(Em papel timbrado da
Academia Catarinense de Letras – datilografada – fotocópia)
Blumenau, 27 de outubro de 1994.
Meus doces anjos:
Queria escrever uma
carta para Gil e outra para Caetano, mas como separá-los? Quero dizer a ambos
as mesmas coisas; no meu coração estão tão juntos que não há como escrever uma
carta diferente para cada um, e daí a ideia de uma só carta para os dois:
fotocopio-a, sorteio quem vai ficar com o xerox, resolvo o meu problema.
Que quero lhes dizer,
meus ternos baianos? Quero lhes dizer tudo, e esse tudo é tão grande que uma
carta fica sendo uma coisa boba.
Eu os tenho amado pela
vida afora, como sei que tantos brasileiros (e também não-brasileiros, vi o
quanto são amados em Cuba e outros lugares) o têm feito. Vocês foram a luz que
iluminou os altos e baixos da minha adolescência; são o arrimo das ideias da
minha vida adulta; foram sempre a ternura derretendo o coração.
Doces anjos, creio que
vocês têm ideia da influência que exerceram sobre toda a minha geração, e
exercem sobre as novas gerações que estão chegando. A gente retribui essa
influência amando-os, e esse amor deve chegar até vocês, pois há sempre mais
energia e ternura emanando de vocês e criando mais amor, como aqueles círculos
que se formam na água quando a gente atira uma pedra num lago parado.
Um dia, faz mais de
dez anos, vi Caetano de pertinho, depois de show na minha cidade, e guardo
aquele momento no meu coração com a calidez do momento em que nascem as
estrelas azuis.
Antes de ontem vi Gil,
toquei-o, mal queria acreditar que aquilo estava acontecendo mesmo. Talvez Gil
se lembre, falamos de livro meu onde Caetano é personagem, deu-me até o
endereço para que lhes enviasse o mesmo, disse-me que Caetano gostaria de
conhecer o livro.
Envio o livro agora,
depois de anos que saiu. É uma história de amor, a única que arrisquei até hoje
(sou romancista-histórica) e havia que colocar um de vocês no livro. Acabou
sendo Caetano, pela época em que se passa e por “Alegria, alegria”, música que
até hoje orienta minhas decisões na vida, por seu fortíssimo verso que diz
tudo: “Por que não?”.
Se vocês chegarem a
ler o livro, não exijam muito dele. Sou aprendiz ainda, há muito o que me
aperfeiçoar para algum dia escrever realmente bem. Se o lerem, deem-me a
alegria de um retorno, duas linhas me dizendo que o fizeram, para que meu
coração possa se expandir de alegria ao saber que meus ídolos, meus heróis, um
dia compartilharam comigo aquelas linhas que escrevi anonimamente no meu
quarto, que houve uma comunhão entre nós, por algumas horas – vai ser difícil
não morrer de felicidade!
E, anjo Caetano, não
me leve a mal por ter tomado a liberdade de usá-lo como personagem meu: a magia
da vida, do mundo e de vocês deu-me tal direito que, espero, você não conteste.
Meus baianos gurus (eu
sou totalmente louca pela Bahia; pretendo, daqui a ano e pouco, ir morar de vez
no Pelourinho), inclino-me ante vocês para dizer: Axé! Poderia escrever um
livro para falar da minha ternura e do meu amor por vocês, mas aí teriam que
tirar muito tempo para lê-lo e seria até enfadonho para quem já sabe do amor
que desperta em todo um povo.
Meus queridos, muita
luz! Deus os abençoe! Eu os amo.
URDA ALICE KLUEGER
Rua 7 de Setembro 1314
89.010.202 – Blumenau
– SC (endereço de muitos anos atrás, que já não funciona.)
urdaaliceklueger@gmail.com
– e-mail atual
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
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