Contraditório e múltiplo
* Por
Pedro J. Bondaczuk
Os meus críticos mais ferozes e
contumazes, que se fazem sempre presentes em todos os espaços públicos que
freqüento, quer na imprensa escrita quer na internet, pondo reparos em tudo o
que escrevo, acusam-me, de forma constante e recorrente, entre outras coisas –
como pedantismo, vaidade, desonestidade intelectual, etc.etc.etc. – de ser
contraditório. É certo que me dão um desconto e admitem que minhas contradições
não são ostensivas, grosseiras, evidentes desde as primeiras linhas dos meus
textos, destas que saltam aos olhos. Mas garantem, do alto da sua arrogância,
que existem e que são, isto sim, dissimuladas, sutis, camufladas, mascaradas
até.
Não costumo lhes dar respostas que,
ademais, seriam inúteis. Há pessoas que são assim. Cismam com determinado
indivíduo, sem nenhuma razão objetiva ou motivo de ordem pessoal, e passam a
hostilizá-lo até o fim dos tempos, sem se deixarem convencer por nenhuma
espécie de argumento contrário àquilo que pensam.
Ademais, apesar de intimamente
dirigir-lhes sonoros palavrões, desses de fazer até estátuas corarem de
vergonha, publicamente faço questão de manter distância deles. E nos momentos
de descontração e bom-humor, essa sua hostilidade sem trégua chega, até, a
lisonjear-me. Afinal, queiram ou não, esses críticos ferozes (e às vezes
mordazes) são meus mais fiéis leitores. E, sobretudo, atentos.
São eles que lêem meus textos com
espírito analítico digno de arqueólogos que tentassem desvendar algum eventual
e desconhecido alfabeto do passado, perdido por milênios, alguma espécie de
hieróglifos de remota e perdida civilização, só que, neste caso, no mero afã de
encontrar algum deslize grave meu sobre o qual tripudiar.
Quando não encontram nada (e raramente
encontram), enveredam para o terreno do subjetivo. Buscam adivinhar supostas
intenções (que nem eu mesmo consigo identificar quais eram quando decidi
escrever aquelas crônicas, ou ensaios, ou artigos, ou reportagens objetos de suas críticas), e,
como não poderia deixar de ser, sempre as piores possíveis.
O engraçado é que não se importam com o
ridículo. Não raro, são desafiados por meus defensores gratuitos (também os
tenho, sem lhes passar, contudo, nenhuma procuração para advogarem minha causa,
o que fazem à minha revelia) e provocam, dessa forma, intermináveis (e inúteis)
debates, sem que as partes, óbvio, cheguem a qualquer conclusão, num confronto
inócuo e surrealista de vaidades.
Sabem o que mais? Esses chatos
grudentos nunca me viram uma só vez que fosse na vida, mesmo que somente por
fotografia. Não sabem se sou louro, moreno, asiático ou pele vermelha; se sou
alto, baixo, magrela ou barrigudo; se sou belo como um Adonis ou feio como a
mãe da peste. Nunca conversaram comigo, jamais ouviram minha voz, não
compareceram a nenhuma palestra ou conferência das tantas que fiz, não sabem nada,
absolutamente nada a meu respeito. E, ainda assim.... garantem que me conhecem.
Ainda se eu escrevesse pouco,
publicasse um ou outro texto, ocasionalmente, seria pelo menos mais fácil esse
estranho assédio, essa doentia obsessão. Não é o que ocorre. Minha produção
mensal é imensa e a quantidade de coisas que já escrevi no último meio século
ascende a alguns milhares. E todas, invariavelmente, contam com observações
desairosas desses ferozes e fiéis críticos. A maioria me acompanha há décadas e
sempre com a mesma postura. Nem mesmo minha mulher me demonstrou ao longo de um
estável casamento tamanha fidelidade! Creio que Freud teria explicação para esse
fenômeno. Eu é que não tenho.
Quanto às minhas propaladas
contradições... Acabei de fazer, neste instante, comparações de alguns textos
que escrevi há quarenta anos com outros produzidos hoje e percebi que todos
guardam surpreendente coerência entre si. Meu estilo, claro, evoluiu (na minha
avaliação, para melhor). Os temas, agora, são desenvolvidos com maior agilidade
e profundidade, fruto da maior experiência e conhecimentos que adquiri. Mas, na
essência, minha escrita pouco mudou.
Todavia, para satisfazer meus
fidelíssimos críticos (que, afinal, merecem alguma compensação por tamanha
fidelidade, diria que canina), é mister que faça uma dramática admissão. Porém,
já que me acusam de oblíquo e dissimulado, valho-me dos versos de um magnífico
poema de Walt Whitman, para afirmar o que tanto eles queriam arrancar de mim: “Contradigo-me?
Pois bem, contradigo-me. Sou extenso, contenho multiplicidades”. Satisfeitos?
Vocês venceram! Um a zero para vocês!
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Mudar, evoluir, optar por outra opinião é defeito? Fico com Raul Seixas: eu prefiro ser, essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
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