O primeiro
Nobel de Literatura
Os
pioneiros, em qualquer atividade, principalmente se intelectual (e mais em
especial ainda, se artística), deixam, quase sempre, o nome marcado na
história. São lembrados ao longo de gerações, emprestam seus nomes a vários
logradouros públicos (ruas, avenidas, escolas, ginásios, hospitais etc.) em
suas cidades, ganham estátuas e vai por aí afora. É verdade que às vezes alguns
são esquecidos, por circunstâncias várias. Todavia, esse esquecimento
(felizmente) é raro. A regra é que sejam sempre lembrados e, se o que fizeram
tiver mesmo valor, se tornem marcos divisórios, paradigmas, referenciais das
atividades que exerceram.
Este
é o caso, por exemplo, do poeta francês Sully Prudhomme. E sabem qual foi sua
façanha (além de produzir uma obra consistente e brilhante)? Foi o primeiro
escritor a ser galardoado com o Prêmio Nobel de Literatura, o de 1901. Poucos
se lembram, hoje, desse fato. Mas seu nome está longe de ser esquecido. Sully
Prudhomme é lido, admirado e reverenciado pela sua poesia. Claro que isso se
deve à qualidade da sua obra. Aliás, se não fosse boa, (diz a lógica)
certamente não seria premiado com o Nobel. Principalmente, por causa da
concorrência, ou seja, da quantidade de bons escritores que havia naquele
início de novo século, o XX da Era Cristã.
É
oportuno, pois, recordar, e refletir, sobre quem foi esse ilustre personagem,
primeiro ganhador de um prêmio que acabou se transformando, com o passar do
tempo, no de maior prestígio e o mais cobiçado da literatura, o que fez, onde
viveu etc. Não me proponho a esboçar sua biografia, até porque já existem
muitas, e boas, e de pessoas muito mais habilitadas do que eu (embora eu não
tenha encontrado nenhuma em português). Minha intenção é, apenas, chamar a
atenção, e de passagem, para determinados aspectos da sua vida que me
despertaram a curiosidade.
Por
exemplo, o nome com o qual ficou conhecido não era o seu, de batismo, mas o do
pai. Não deixa de ser estranho, não é verdade? O poeta, que nasceu em Paris, em
16 de março de 1839, chamava-se René Armand François Prudhomme. E por que
adotou o prenome Sully? Por achá-lo mais sonoro e mais fácil de memorizar? Ou
para homenagear o pai, bem sucedido comerciante? As duas hipóteses têm lógica.
É possível que o tenha feito até pelos dois motivos simultaneamente. Mas não
posso jurar que esta seja a verdadeira causa.
Seu
sonho de moço sequer era o de se tornar escritor. É verdade que desde tenra
idade compunha versos, mas isso, boa parte dos adolescentes, mundo afora, também
o faz. Sully Prudhomme desejava mesmo era ser cientista, passar a vida
pesquisando para descobrir os segredos do mundo e da natureza. Chegou a
ingressar num instituto politécnico de Paris para estudar na área científica.
Uma doença oftalmológica, todavia, levou-o a abrir mão desse sonho. Enxergando
mal, por exemplo, como poderia pesquisar o mundo microscópico? Não poderia!
Optou, pois, por uma carreira que não lhe exigisse tanto da visão, o Direito.
Aos
26 anos de idade, em 1865, instado por amigos, resolveu publicar uma coleção de
poemas, meio temeroso, desconfiado que poderia fracassar na atividade
literária. Obviamente, não fracassou. Aliás, muito pelo contrário. Seu livro
“Stances et Poémes” foi um sucesso, tamanho, que no ano seguinte, lançou um
segundo, “Les Èpreuves” e não parou mais de produzir. Havia encontrado seu
caminho, e quase que por acaso.
À
medida que novas obras eram publicadas, seu prestígio crescia. Prudhomme
ligou-se aos poetas parnasianos, que publicavam a revista “Parnasse
contemporain”. O parnasianismo, esclareça-se, na ocasião, era o que havia de
mais moderno e revolucionário no campo da poesia. E foi nessa escola literária
que se destacou. Primeiro, foi eleito para a prestigiosa Academia Francesa de
Letras. Passou a ocupar a cadeira de número vinte e quatro. E seu sucesso
culminou com a inesperada conquista do então recém-criado Prêmio Nobel.
Tornou-se, dessa forma, o pioneiro dessa premiação, que em 2011 completou 110
anos.
Sully
Prudhomme morreu, no auge do prestígio e do sucesso, na cidadezinha francesa de
Châtenay-Malabry, em 6 de setembro de 1907. Legou à posteridade uma obra
consistente e bela, de doze livros, muitos dos quais (para não dizer todos)
constituem-se, hoje em dia, em preciosidades para os bibliófilos e amantes da
boa poesia (como este Editor, por exemplo).
Entre
os tantos poemas que compôs, selecionei, meio que a esmo, dois, um traduzido por
Augusto de Lima e outro por Álvaro Reis. Aprecie-os, como eu apreciei:
As lembranças
Das velhas impressões da infância a idéia grata
perdura-nos fiel, volvam embora os anos;
em vão do nosso abril as flores sofrem danos,
a imagem delas fica indelével, exata.
Ao contrário, ai de nós! – ninguém conserva intacta
a memória, apesar de esforços sobreumanos,
das novas emoções, efêmeros enganos,
cujo traço se apaga apenas se retrata.
Como esperto escansão que no banquete a taça
entretém sempre cheia, a cada vez que passa,
passa o tempo e nos enche a memória também.
A lembrança mais nova é a gota derradeira,
que ao choque mais sutil, transborda e cai; porém
no fundo permanece a primitiva – inteira.
Os laços
Querendo a tudo amar, trago a alma dolorida,
porque multipliquei a causa dos tormentos...
Frágeis laços, grilhões inúmeros, cruentos...
prendem meu coração às coisas desta vida.
Tudo a um tempo me atrai e enlaça-me igualmente:
por seu brilho, a verdade e seus véus, o mistério;
minh’alma se une ao sol num raio de ouro, etéreo,
e em mil fios de seda a cada estrela ardente...
A cadência me prende à ária que triste evoca;
seduz-me a veludez da rosa entre os abrolhos:
eu de um sorriso fiz o grilhão dos meus olhos
e fiz também de um beijo a cadeia da boca!
Assim, cativo sou dos seres que adoro, a esmo...
Suspenso é meu viver nesta rede que o enlaça...
E quando o menor sopro entre aqueles perpassa
sinto um pouco de mim se arrancar de mim mesmo.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
..."e fiz também de um beijo a cadeia da boca!" Acredito que este verso tenha sido aproveitado numa canção popular, mas não tenho certeza.
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