Alemão dormindo a “siesta”
* Por
Urda Alice Klueger
Dizem que Santa
Catarina tá cheia de alemão. Aqui no Vale do Itajaí, onde moro, dizem que tem
mais alemão que formiga. Discordo: se tiver uma centena têm muito. O restante é
tudo filho, neto, bisneto, trineto de alemão, e por aí vai. Tudo brasileiro
legítimo, como dizia o nosso humorista no passado.
Daí penso no meu
amiguinho Hermann Reimer, de Pomerode, apesar de ser algo assim como a sexta ou
sétima geração de brasileiro, aos 23 anos ainda se acredita alemão e acha que
se for para a Alemanha vai ser aceito, lá, como um igual. Canso de avisá-lo: no
dia em que for visitar a Alemanha, prepare-se para ser recebido como terceiro-mundista.
Daí que estes nossos alemães, digamos, “falsificados” (por favor, não fiquem
brabos – eu tinha que arranjar um adjetivo!) têm toda uma filosofia de vida
baseada no culto ao trabalho, e eu volto ao meu amiguinho Hermann Reimer: em
monografia de especialização na Universidade Regional de Blumenau, além de
defender o culto ao trabalho, contou como seu avô, seu bisavô, enfim, sua
família sempre lhe disse da importância de manter-se o tempo todo ocupado, da
importância de transformar-se tempo em dinheiro, da coisa vergonhosa que era o
ócio.
Daí eu pergunto:
diante do exposto, e do que a gente vê no dia-a-dia, alguém de vocês é capaz de
imaginar um “alemão” a deitar-se após o almoço e a dormir até as cinco da
tarde? Vamos imaginar esse alguém com toda a força da juventude e da saúde.
Conseguem imaginar, no dia-a-dia, os nossos “alemães”, em todos os dias do ano,
a dormir prolongada siesta, essa grande invenção dos povos mediterrânicos?
(desconfio que os mediterrânicos já a copiaram dos árabes, que por ali andaram
e ficaram na Península Ibérica por volta de oito séculos).
Bem, acabo de voltar
de duas semanas maravilhosas no nosso vizinho tão desprezado, o Paraguai, e lá
vi coisas que nem num ano conseguirei contar para vocês. Uma delas foi ver
“alemão” dormindo a tarde inteira, todos os dias.
Vamos começar
esquecendo que existe uma Ciudad Del Este, onde sacoleiros e outros curiosos
fazem compras e contrabando, e onde se fica com uma impressão de sujeira e de
coisas ruins sobre nosso vizinho país. Depois que a gente ultrapassa a cidade
fronteiriça, vamos ter um Paraguai lindo, verde, com milhares de coisas
interessantíssimas para conhecer, desde a cidade de Assunción até as cidades
menonitas no Chaco. Agora complicou, não foi? Pois é, o Chaco é uma região ao
Norte do Paraguai, extremamente verde apesar das escassas chuvas, e onde há
como que todo um “estado” menonita. Menonita é uma religião que vem desde lá de
1520, se não me engano, e que foi fundada na Suíça logo depois que Lutero fez a
Reforma Protestante. Assim como os luteranos tiveram o apoio dos príncipes
alemães e acabaram ficando muito poderosos, os menonitas nunca tiveram grande
apoio e foram perseguidos pelo mundo afora durante quatro séculos. O primeiro
país que disse: “Venham para cá, temos terra, faremos leis especiais para
vocês!” foi o Paraguai. E em 1930 eles vieram das mais diversas partes do mundo
(já estavam até na China, de tão perseguidos), e criaram três “colônias” no
Chaco paraguaio. Vamos dizer que cada “colônia” dessas tenha mais ou menos o
tamanho do Vale do Itajaí, e que cada uma possui uma cidade que é uma sede
administrativa. Fiquei em Filadélfia, mas há também as cidades de Loma Plata e
Neuland, e lá tudo é alemão: desde a língua, as comidas, as construções, a
organização, tudo. Daí a gente bate na grande diferença: a siesta. Donde já se
viu alemão dormir la siesta? E ainda mais uma siesta de 4 a 5 horas? Siesta não
é coisa de espanhóis e seus descendentes? “Alemão” de Santa Catarina teria
coragem de dormir a tarde inteira sem ser chamado de malandro?
Pois é, gente, alemão
menonita do Paraguai (os velhos já morreram quase todos, na verdade os alemães
de lá são tão falsificados quanto os daqui, tudo paraguaio) dorme la siesta
todas as tardes, nas horas de maior calor. Sem o menor constrangimento. Sem
medo de ser chamado de malandro. Queria ver os “alemães” de Santa Catarina
terem coragem para tanto!
Blumenau, 17 de
janeiro de 2003.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de mais três dezenas de livros, entre
os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12
edições).
Os alemães paraguaios acabaram ficando mal na história. Mas é tudo por conta do calor. No caso, vale jogar por terra as tradições.
ResponderExcluir