A enigmática e apaixonante Capitu
O nome Maria Capitolina Santiago lhe sugere alguma coisa,
prezado leitor? Não? Tem certeza? Você pelo menos já ouviu falar dessa ilustre
senhora? Nunca ouviu? Pense bem. E se eu lhe disser que ela foi casada com o
senhor Bento Santiago, melhora? Ainda não? Ah, mas agora tenho certeza que sua
resposta será positiva, ao revelar seu apelido: Capitu! Se estiver em uma
banheira, tomando banho (isso se não faltar água em sua casa nestes tempos
bicudos de crise hídrica) tenha o cuidado de não sair nu, às ruas, como
Arquimedes fez, por volta de 230 antes de Cristo, na cidade italiana de
Siracusa, ao descobrir o princípio da flutuabilidade, gritando “Eureka! Eureka!
Eureka!”.
Pois é. Maria Capitolina Santiago é o nome da personagem
feminina mais famosa da Literatura brasileira, quiçá mundial, à qual foram
dedicados filmes, peças de teatro, letras de música, além de imensa quantidade
de livros. A despeito de parecer tão real, de carne e osso, semelhante ou
parecida com alguém que conheçamos, Capitu é fruto exclusivo da imaginação de
um dos escritores que mais entenderam as mulheres, sem ser nenhum renitente Dom
Juan (muito pelo contrário): Machado de Assis. Aliás, esses conquistadores
baratos nada entendem do mundo feminino. “Usam” suas parceiras e nada mais.
Fiz esse mesmo teste (inicialmente a título de brincadeira,
mas que na sequência transformei em pesquisa informal) com mais de uma centena
de amigos e de conhecidos. As respostas, quando declinei o nome completo da
personagem, sem revelar seu apelido, foram as mais estapafúrdias, estranhas e
pitorescas (na verdade, grotescas) possíveis. Alguns responderam que se tratava
de alguma cantora obscura de rap. Outros juraram que era alguma política, não
muito conhecida, variando o cargo que ocupava (vereadora, deputada, prefeita
etc.etc.etc.). Houve, até, quem chutasse que se tratava do nome verdadeiro de
alguma atriz global. Chutes, chutes e chutes... Todavia, tudo mudou quando
revelei seu apelido, pelo qual ficou conhecida desde quando foi criada. Houve
consenso nas respostas ao identificá-la como personagem de Machado de Assis.
Mesmo entre os que jamais leram qualquer livro do escritor e, inclusive, entre
os que não leram coisíssima alguma em termos de literatura, a não ser revistas em
quadrinhos e uma ou outra notícia de jornal, se tanto.
Capitu é a principal protagonista, a personagem central do
romance “Dom Casmurro”, publicado em 1899, embora o título do livro nos remeta
a Bento Santiago, o Bentinho, que ficou conhecido por essa designação, a mesma
dessa obra (e quem leu o livro, não teve a menor dificuldade de entender a
razão). Ele caracteriza-se, sobretudo,
por seu doentio ciúme (se motivado ou não, é tema de controvérsias e debates
ainda hoje, 116 anos após a publicação da obra), comparável ao de Otelo, de
William Shakespeare. É ou não é coisa de gênio?
Essa mulher que causa tanta controvérsia e que é
conhecidíssima do público brasileiro, mesmo que não leitor, nunca existiu. É
fruto da imaginação, da capacidade de observação e do talento descritivo de
Machado de Assis. Pode até ser que o escritor tenha se inspirado em alguma dama
que eventualmente conheceu. Até pode ser. Se for o caso, diria que se inspirou
em muitas do seu tempo. Todavia, a verossimilhança de Capitu é tamanha, que
chegamos a duvidar que seja mero personagem ficcional. Tendemos a achar que foi
uma pessoa “viva”, de carne e osso, com todas as virtudes e defeitos de
qualquer mulher.
Confesso que me apaixonei, de imediato – fiquei literalmente
“de quatro”, ao ler “Dom Casmurro” pela primeira vez – por aquela menina-moça
fascinante, sobretudo a do início do romance, quando o autor narra como Capitu
e Bentinho se conheceram e como se apaixonaram (pelo menos ele se apaixonou). “
(...) Criatura de catorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de
chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as
pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena,
olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo
largo. As mãos, a despeito de alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não
cheirava a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão
comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que
ela mesma dera alguns pontos (...)”. Como não se apaixonar por uma mulher
assim?!!!
Mas não foi, apenas, pelo aspecto físico de Capitu que me
apaixonei. Foi pelo seu espírito brincalhão, despojado, juvenil, por sua
espontaneidade, pela personalidade forte e ao mesmo tempo envolvente. E, claro,
pela característica que a tornou famosa e imortal através do tempo. Ou seja,
seus olhos “de cigana oblíqua e dissimulada”. Recorro à enciclopédia eletrônica
Wikipédia para elencar algumas das adaptações dessa personagem para outras
artes e contextos, que não a Literatura e que contribuíram para popularizá-la
entre pessoas que nada têm a ver com livros, muitas das quais que até detestam
leituras. Cito, por exemplo, dois filmes inspirados nessa figura de “olhos de
ressaca”: “Capitu” (1968) de Paulo César Saraceni e “Dom” (2003) de Moacyr
Góes.
Contudo, a paixão e tormento de Bentinho foi levada, também,
para os palcos, com peças como “Criador e criatura - o encontro de Machado e
Capitu” (1999) de Flávio Aguiar e Ariclê Perez e “Capitu” (1999) de Marcus
Vinícius Faustini. Inspirou, até mesmo, uma ópera, “Dom Casmurro” (1992) de
Ronaldo Miranda e Orlando Codá. E, para o cúmulo da popularização, gerou uma
bem cuidada microssérie para televisão: “Capitu”, exibida pela Rede Globo em 2008,
ano do centenário da morte de seu genial criador: Machado de Assis. Nem na
música popular essa apaixonante e misteriosa (dissimulada?) figura feminina
deixou de constar. O compositor paulista Luiz Tatit compôs uma canção
intitulada “Capitu”, gravada por Zélia Duncan e Ná Ozzetti que, apesar do
título, refere-se a uma internauta que usa o nome da personagem machadiana, mas
que, de alguma forma, remete a ela, já que esse apelido, convenhamos, não é lá
tão comum. Grande Maria Capitolina Santiago!!!
Boa leitura.
O Editor.
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Espetacular rasante sobre Capitu. Amanhã tem mais?
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