Ato de
generosidade
* Por Pedro J.
Bondaczuk
A generosidade não consiste, como a
maioria entende, apenas em dar aos outros (àqueles que estão necessitando), o
que temos de sobra e não iremos usar ou que nos seja imprestável: uma roupa
velha que para nós não tem mais utilidade, um objeto que não mais nos interesse
possuir, dinheiro, ou seja lá o que for. O ato mais generoso que existe é o da
autodoação e aos que sequer conhecemos. É o de doar nossas idéias, nossa visão
da vida, nosso entendimento do mundo, nossas fantasias e ilusões.
É levar consolo aos desconsolados,
esperança aos desesperançados, alegria aos tristes e perspectivas aos
entediados. É repartir de graça a experiência que adquirimos a um preço muitas
vezes proibitivo. E é isso o que os escritores, estes seres iluminados e
generosos, detentores de um talento que não é dado a qualquer um possuir,
fazem.
Ofertam ao mundo aquilo que são.
Deixam, para quem quiser (ou puder) se apropriar, do presente ou do futuro,
conceitos, imagens, sentimentos, emoções, dúvidas, certezas e o que mais
tiverem no fundo da consciência e souberem expressar em palavras e que se não o
fizessem iriam se extinguir tão logo morressem. Por isso, tenho muito cuidado
com aquilo que escrevo.
Fui, durante minha já longa carreira jornalística,
um comentarista equilibrado, embora polêmico, que sempre criticou ações e não
pessoas. Ao menos conscientemente, nunca destruí e nem tentei destruir ninguém.
Claro que a recíproca nem sempre foi verdadeira. Fui alvo, em inúmeras
oportunidades, de agressões verbais incompreensíveis e covardes. De críticas
maldosas e francamente destrutivas. De ameaças até contra a minha vida. De
chacotas. Sobrevivi.
De uns anos a esta parte, optei por
escrever crônicas. Claro que não sou nenhum Rubem Braga, ou Fernando Sabino ou
Henrique Pongetti. Aliás só procuro espelhar-me em um outro escritor que
não os mencionados. Meu modelo é o professor Benedito Sampaio, cuja forma de
escrever é o ideal que procuro atingir: elegante, correta, interessante e ao
mesmo tempo coloquial.
Decidi abordar o lado aparentemente
trivial da vida e que, no entanto, é o verdadeiramente importante. A escala de
valores das pessoas (da grande maioria que conheço) é muito distorcida. O
homem, no geral, desperdiça grande parte da existência (quando não toda ela) a
correr atrás de fumaça, de bens cuja posse será transitória, de objetos
aparentemente valiosos e que na verdade não valem coisa alguma. Quando se dão
conta, acabam ficando sem nada. Sem a própria vida, desperdiçada em tarefas tolas.
Estou sendo generoso quando exponho
minhas idéias mais íntimas, aquelas que expõem nua e cruamente como sou – com
toda minha fragilidade e vulnerabilidade – ao julgamento nem sempre isento e
justo do público, mesmo que em troca de pagamento. Maior generosidade ainda é
quando essa exposição é gratuita, sem nenhuma remuneração, como a maioria dos
textos que publiquei.
E interpretações distorcidas não faltam
para esse exercício permanente. Alguns atribuem o muito escrever à vaidade (o
que, a pretexto de ser uma ofensa, é na verdade um elogio, pois pressupõe que o
que escrevo é tão bom a ponto de me fazer vaidoso). Outros, à ânsia de
notoriedade fácil (como se a apresentação de idéias através das palavras fosse
uma ação que não exigisse nenhum esforço). Outros, ainda, acham que se trata de
ganância, pensando que todos os textos produzidos são regiamente pagos.
Além desses inconvenientes, há o
permanente risco do ridículo. E é mais fácil do que se pensa resvalar para ele.
Difícil é percebê-lo e evitá-lo. Ainda assim, escrevo com alegria, com prazer,
com emoção, com entusiasmo, com paixão. Meu empenho é o de mostrar o lado
alegre, belo ou risível da vida. O trágico é desnecessário. Não há quem não o
conheça, por mais alienado que seja.
É verdade que às vezes não consigo
dissimular a zanga contra atos de perversidade, corrupção e violência de toda a
sorte. Contra as taras, a miséria, o egoísmo, a prevalência da força, o
instinto cego e destrutivo e tudo o que ameace a vida e a felicidade das
pessoas. Mesmo esses momentos de explosão, contudo, tento tornar racionais,
para que os excessos verbais não neutralizem as lições possíveis de se extrair
dessa maldade condenada.
O filósofo Aristóteles observou:
"Qualquer pessoa pode zangar-se --- isso é fácil; mas zangar-se com a
pessoa adequada, na medida adequada, para o propósito adequado e de maneira
adequada, isso é coisa que não está ao alcance de qualquer um, e não é
fácil".
Como não é fácil convencer a família da
grandeza desse ato de generosidade para com a comunidade, gastando horas, dias,
meses e anos a escrever de graça, preenchendo um tempo que ela entende que
deveria ser preenchido com a corrida atrás do dinheiro. E sem receber
reconhecimento de ninguém, na maioria das vezes...
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas
(atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e
do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe,
ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma
nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991
a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição
comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Parece um bate-papo, a maneira como você escreve, Pedro, e a mim é bastante útil. Distrai, ensina e algumas vezes faz rir, mas apenas raramente. Não sei se é devido ao meu pouco bom-humor. Quanto às cobranças da família, entendo, e, sobre o que pensam seus leitores, de fato não sei se há motivo para incômodos. Quem escreve quer ser lido, e se isso já aconteceu, é um bom resultado.
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