O poeta Machado de Assis
A genialidade de Machado de Assis foi tamanha que, ainda
hoje, 107 anos após sua morte, ele concorre apenas com ele mesmo em termos de
qualidade e de importância para a Literatura (e não somente a brasileira,
frise-se). Explico. Quando seu nome vem à baila, a imensa maioria pensa nele
como autor de marcantes romances, como “Memórias póstumas de Braz Cubas”, “Dom
Casmurro”, “Quincas Borba” ou mesmo “Esaú e Jacó”, entre os nove quer legou à
posteridade. Ou, quem é um tantinho melhor informado, associa-o á maioria dos
seus revolucionários contos, dos mais de duzentos que escreveu, reunidos em
várias e excelentes antologias. Alguns, mais estudiosos, citam, até, seus
livros de crônicas. Todavia, pouquíssimos sequer sabem (ou se sabem dão pouco
valor) da sua atuação como poeta. Há críticos, baseados não sei sequer no que,
que consideram sua poesia “comum”, convencional e indigna, portanto, de análise
mais acurada.
Mas o poeta Machado de Assis concorre com o romancista, o
contista, o cronista etc. Machado de Assis. E não há nenhum exagero nessa afirmação,
que pretendo demonstrar na sequência. Certamente muito intelectual arrogante,
que julga conhecer a fundo tudo o que se relacione à Literatura (mas que na
verdade não conhece), a esta altura deve estar torcendo o nariz, e
considerando-me ignorante e mal informado, dado o título destas reflexões: “O
poeta Machado de Assis”. Muitos, se não todos, devem, até, estar deixando de
ler estas considerações informais que, no seu entender, já estariam “contaminadas”,
prejudicadas, de cara, pela forma que as denominei. Estão enganados! É o que
tentarei, insisto, demonstrar na sequência. Pois tanto Machado de Assis foi
poeta, e muito bom, e inovador, e dos melhores da Literatura mundial, que se
torna impossível abordar esse aspecto particular da sua atividade literária em
um único texto, por maior que possa ser meu poder de síntese. Tentarei ser o
mais objetivo e didático possível, para destacar sua excelência “também” neste
gênero (no qual o escritor foi tão bom, diga-se de passagem, a ponto de haver
influenciado, entre outros, poetas como
Olavo Bilac e Carlos Drummond de Andrade).
O jornalista, professor, crítico literário e poeta
pernambucano, Francisco César Leal (falecido em 5 de junho de 2013), me daria
plena razão caso estivesse vivo. Afinal, fez (se não estou enganado em 2008)
memorável conferência na Academia Brasileira de Letras (a cópia do texto dessa
preleção, na íntegra, tenho em meu poder), cujo título foi, justamente, “Machado
de Assis poeta e crítico de poesia”. O ilustre conferencista trouxe á baila, na
oportunidade, importantes revelações, que consolidaram o que até então eu apenas
intuía. Certamente citarei este material
várias vezes, por seu revelador conteúdo. Além do que, são análises e
informações de alguém plenamente habilitado a tratar do assunto, por ser
versadíssimo nele.
O primeiro texto que Machado de Assis publicou foi um
soneto. Tinha, na ocasião, apenas 15 anos de idade. Foi em 1854. Desconheço seu
título, mas ele fez uma dedicatória nessa precoce peça literária. Escreveu: “Á ilustríssima
senhora D.P.J.A”. E assinou, igualmente por iniciais: “J.M.M.A”. O soneto foi
publicado num jornalzinho artesanal, intitulado “Periódico dos Pobres”. E quem
foi essa “musa inspiradora” do então adolescente “projeto de poeta”? No final
do soneto ficamos sabendo que se tratava de Dona Petronilha, a respeito de quem,
no entanto, não consegui mais nenhuma informação. E isso importa? No início de
1855, mais especificamente em 12 de janeiro, Machado de Assis teve outros dois poemas
publicados: “Ela” e “A palmeira”. Desta vez, o veículo foi, digamos, “mais
nobre”. Foi na revista bimensal “Marmota Fluminense”, editada pelo livreiro
Paula Brito. Este personagem, aliás, tem tanta importância na vida do futuro
escritor, que merece todo um capítulo à parte. Foi quem lhe deu, por exemplo, o
primeiro emprego formal: o de aprendiz de tipógrafo.
O primeiro livro que Machado de Assis publicou, em 1864,
quando já estava com 25 anos, foi também de poesias. Foi a coletânea “Crisálidas”,
que dedicou “à memória de Francisco José de Assis e Maria Leopoldina Machado de
Assis, meus pais”. Três anos depois, em 1867, ele seria nomeado, pelo imperador
Dom Pedro II, diretor-assistente do Diário Oficial. Seu segundo livro, datado
de 1870, também foi de poesia. Recebeu o título de “Falenas”. No total, legou à
posteridade quatro obras poéticas. Além das duas que citei, há, ainda, “Americanas”
e “Ocidentais”. A pergunta que muita gente me faz é: “Se a poesia de Machado de
Assis é de tanta qualidade, como você diz, por que seus livros do gênero não
fizeram, nem de longe, o sucesso de seus romances, contos e mesmo crônicas?”.
Ora, ora, ora... Qualquer poeta de hoje faz a mesma pergunta sem que ninguém a
responda de forma convincente. Suponho porque havia e há certa resistência dos
leitores em comprarem livros de poesia. Até mesmo poetas recentemente
consagrados, como Drummond, Bandeira e Mário Quintana, entre outros, enfrentaram
esse problema. E ninguém ousa sequer insinuar que não sejam bons. São
excelentes!!! Assim como a poesia de Machado de Assis o é.
Concordo, pois, com o argumento do professor Francisco César
Leal, na citada conferência que fez na Academia Brasileira de Letras, quando a
certa altura pontuou, respondendo a um questionamento da platéia justamente a
esse propósito: “Um homem com a autocrítica que tinha Machado não publicaria a
sua obra poética com sessenta e dois anos de idade, se não verificasse que ela
tinha valor”. Recorde-se que, além de todas suas tantas atividades, ele nunca
deixou de ser crítico literário, e com ênfase para a poesia. Quem o conheceu
testemunhou que Machado de Assis era de um rigor absoluto, implacável, e
irredutível principalmente em relação ao que ele próprio escrevia. Era um
autocrítico “feroz”. Ora, se liberou a reedição de seus quatro livros de poesia,
em 1900, foi porque estava completamente convicto que eram bons. E por essa
convicção de qualidade, ponho, sem receio, minha mão no fogo.
Boa leitura.
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Confesso minha total ignorância no tema. Pelo menos você acende a luz para mim. Obrigada, Pedro!
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