Abraço da quimera
* Por Daniel Santos
Ah, que saudade de quando era rei
e tinha o colo das primas! À minha volta, os dias transcorriam majestosos,
porque viam importância em tudo o que eu fazia. Até o cocô durinho no penico
maravilhava a todos.
E os banhos! Tiravam-me da bacia
de água morna e rápido me envolviam em toalhas tão felpudas que equivaliam ao
abraço da quimera. E logo fechavam janelas para que a corrente de ar não me
constipasse.
Tudo em mim preocupava, e se
fazia anos... Ah, os aniversários da minha infância! A festa começava de véspera, quando as tias
faziam o bolo mais lindo do mundo e me davam a colher de pau para lamber.
A vida pedregosa, que eu ainda
não sabia pedregosa, dissolvia-se em minha boca em colheradas de nata,
chocolate, caramelo... E se picasse o dedo numa farpa, as velhas largavam os
aventais para me socorrer.
Um beijinho, a dor passava. E
tudo passou rápido como num sonho. Logo, criava buço e tinha um chute de
invejar os outros garnizés. Hoje, nem isso. Restou a lembrança de quando era
rei e tinha o colo das primas.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de
"O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio
de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha
imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma
gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma
negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de
conclusão, em 2001.
Lembranças tão doces quanto o caramelo na colher de pau.
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