Como começa o dia
* Por Daniel Santos
Leocádia
é das porcas. Nem seis da manhã, essa vizinha chega ao sobrado para se
desentupir dos pigarros e cospe na rua sem o menor recato, como se pouco ou
nada lhe importasse o nariz torcido da vizinhança.
Finca
os cotovelos no parapeito da sacada e, imóvel por alguns minutos, parece raciocinar. Mas não sucede.
No máximo, cisma com algo que os demais não alcançam e do que ela também não
tem muita clareza.
Logo
some no interior da casa para despertar marido e filhos com decibéis de
soprano, embora roufenha, em final de carreira, e faz festinha no vira-latas Resúvio (ela assim pronuncia) – homenagem ao tal vulcão.
Ouvem-se,
em seguida, o gorgolejar da privada, a tosse renitente do marido e o tilintar
do bule e das canecas de flandres. Tomam café – fácil adivinhar. Depois, saem
todos, à exceção de Leocádia, que volta à sacada.
Então,
como se enfeitasse a fachada para a passagem de algum monsenhor, pendura
tapetes e os espanca para tirar o pó. E é assim, a vassouradas, sem a menor
cerimônia, que ela desentoca a manhã.
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e
redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de
São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou
"A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e
"Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o
romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para
obras em fase de conclusão, em 2001.
Que horror! Só sendo artista das letras para tornar tal rotina em algo palatável e conseguiu. Parabéns, Daniel!
ResponderExcluir