Contraditório e múltiplo
Os
meus críticos mais ferozes e contumazes, que se fazem sempre
presentes em todos os espaços públicos que frequento, quer na
imprensa escrita quer na internet, pondo reparos em tudo o que
escrevo, acusam-me, de forma constante e recorrente, entre outras
coisas – como pedantismo, vaidade, desonestidade intelectual,
etc.etc.etc. – de ser contraditório. É certo que me dão um
desconto e admitem que minhas contradições não são ostensivas,
grosseiras, evidentes desde as primeiras linhas dos meus textos,
destas que saltam aos olhos. Mas garantem, do alto da sua arrogância,
que existem e que são, isto sim, dissimuladas, sutis, camufladas,
mascaradas até.
Não
costumo lhes dar respostas que, ademais, seriam inúteis. Há pessoas
que são assim. Cismam com determinado indivíduo, sem nenhuma razão
objetiva ou motivo de ordem pessoal, e passam a hostilizá-lo até o
fim dos tempos, sem se deixarem convencer por nenhuma espécie de
argumento contrário àquilo que pensam.
Ademais,
apesar de intimamente dirigir-lhes sonoros palavrões, desses de
fazer até estátuas corarem de vergonha, publicamente faço questão
de manter distância deles. E nos momentos de descontração e bom
humor, essa sua hostilidade sem trégua chega, até, a lisonjear-me.
Afinal, queiram ou não, esses críticos ferozes (e às vezes
mordazes) são meus mais fiéis leitores. E, sobretudo, atentos.
São
eles que leem meus textos com espírito analítico digno de
arqueólogos que tentassem desvendar algum eventual e desconhecido
alfabeto do passado, perdido por milênios, alguma espécie de
hieróglifos de remota e perdida civilização, só que, neste caso,
no mero afã de encontrar algum deslize grave meu sobre o qual
tripudiar.
Quando
não encontram nada (e raramente encontram), enveredam para o terreno
do subjetivo. Buscam adivinhar supostas intenções (que nem eu mesmo
consigo identificar quais eram quando decidi escrever aquelas
crônicas, ou ensaios, ou artigos, ou reportagens objetos de suas
críticas), e, como não poderia deixar de ser, sempre as piores
possíveis.
O
engraçado é que não se importam com o ridículo. Não raro, são
desafiados por meus defensores gratuitos (também os tenho, sem lhes
passar, contudo, nenhuma procuração para advogarem minha causa, o
que fazem à minha revelia) e provocam, dessa forma, intermináveis
(e inúteis) debates, sem que as partes, óbvio, cheguem a qualquer
conclusão, num confronto inócuo e surrealista de vaidades.
Sabem
o que mais? Esses chatos grudentos nunca me viram uma só vez que
fosse na vida, mesmo que somente por fotografia. Não sabem se sou
louro, moreno, asiático ou pele vermelha; se sou alto, baixo,
magrela ou barrigudo; se sou belo como um Adonis ou feio como a mãe
da peste. Nunca conversaram comigo, jamais ouviram minha voz, não
compareceram a nenhuma palestra ou conferência das tantas que fiz,
não sabem nada, absolutamente nada a meu respeito. E, ainda
assim.... garantem que me conhecem.
Ainda
se eu escrevesse pouco, publicasse um ou outro texto, ocasionalmente,
seria pelo menos mais fácil esse estranho assédio, essa doentia
obsessão. Não é o que ocorre. Minha produção mensal é imensa e
a quantidade de coisas que já escrevi no último meio século
ascende a alguns milhares. E todas, invariavelmente, contam com
observações desairosas desses ferozes e fiéis críticos. A maioria
me acompanha há décadas e sempre com a mesma postura. Nem mesmo
minha mulher me demonstrou ao longo de um estável casamento tamanha
fidelidade! Creio que Freud teria explicação para esse fenômeno.
Eu é que não tenho.
Quanto
às minhas propaladas contradições... Acabei de fazer, neste
instante, comparações de alguns textos que escrevi há quarenta
anos com outros produzidos hoje e percebi que todos guardam
surpreendente coerência entre si. Meu estilo, claro, evoluiu (na
minha avaliação, para melhor). Os temas, agora, são desenvolvidos
com maior agilidade e profundidade, fruto da maior experiência e
conhecimentos que adquiri. Mas, na essência, minha escrita pouco
mudou.
Todavia,
para satisfazer meus fidelíssimos críticos (que, afinal, merecem
alguma compensação por tamanha fidelidade, diria que canina), é
mister que faça uma dramática admissão. Porém, já que me acusam
de oblíquo e dissimulado, valho-me dos versos de um magnífico poema
de Walt Whitman, para afirmar o que tanto eles queriam arrancar de
mim: “Contradigo-me? Pois bem, contradigo-me. Sou extenso, contenho
multiplicidades”. Satisfeitos? Vocês venceram! Um a zero para
vocês!
Boa
leitura!
O
Editor.
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