Quando ouvimos sinos
O
amor – essa ardente chama, espontânea e mística identidade de
ideais, objetivos e sentimentos, recíproca partilha de corações,
corpos e mentes – é muito mais do que mero artifício da natureza
para assegurar a perpetuação da espécie. Já ouvi muita gente
sisuda afirmar, com arrogância e empáfia, essa bobagem, com ares de
superioridade, gestos sapienciais, de nariz empinado, como se fossem
donos da verdade. Certamente, nunca amaram, embora julguem que sim.
A
bem da verdade, até certo ponto, os que afirmam isso estão certos,
ou quase certos. Mas o amor não é “apenas” isso, embora
“também” o seja. Se fosse só isso, todos os irracionais, e até
mesmo vegetais, teriam a faculdade de amar. Não têm. É até
redundante afirmar, mas mesmo assim incorro na redundância e afirmo
que o amor é a maior dádiva já concedida ao ser humano, abaixo,
apenas, do privilégio da vida, da qual, aliás, é veículo, mas que
lhe confere, de quebra, encantamento, finalidade e beleza e a
justifica. Aplaca a solidão e dá transcendência e grandeza a este
animal que pensa e que ri. Aproxima-o da divindade, qualquer que ela
seja e entendam-na como entenderem.
Já
afirmei, inúmeras vezes, que gosto de escrever sobre este “perigoso”
assunto. E por que me refiro a “perigo”? Porque este é um tema
que, se o redator não tiver cautela, talento, perspicácia e até um
pouco de sorte, corre o risco de resvalar, sem que nem mesmo perceba,
para a pieguice e não raro para o ridículo. Desta vez, volto a
tocar no assunto não de moto próprio, mas a instância de alguns
leitores, que disseram estranhar que eu aborde, nestas reflexões,
tantas questões e relegue esta, em particular, a um segundo plano.
Considero essas críticas injustas, mas, em todo o caso...
O
escritor italiano Leo Buscaglia afirma, no livro “Vivendo, amando e
aprendendo”: “O homem não tem escolha a não ser o amor. Pois
quando não o faz, encontra suas alternativas na solidão, na
destruição e no desespero”. Como se vê, as opções que lhe
restam, se não amar, não são nada agradáveis ou construtivas.
Afinal, sem amor, como já destaquei, sequer haveria vida. E se
houvesse... esta seria cinzenta, amarga e desesperadora.
Há
insensatos que afirmam (provavelmente sem pensar no que dizem) que
atribuímos importância excessiva a esse sentimento, mais frágil e
efêmero do que ousamos supor. Estão enganados! Pelo contrário,
amamos menos do que poderíamos e, sobretudo, do que deveríamos.
Nada há de mais importante na vida do que esse magno sentimento,
essa experiência ímpar, que, paradoxalmente, tende a nos conduzir
aos extremos do êxtase e do sofrimento. A distância que medeia
entre o Céu e o Inferno, é ínfima, mínima, irrisória. E não é?!
Temos
que amar, sempre, ao máximo, sem reservas, para nos sentirmos
plenamente humanos. E tanto faz que seja amor por uma pessoa, por uma
causa, pela pátria ou pela humanidade, não importa. Melhor, claro,
será se amarmos todas essas coisas simultaneamente. Porquanto, amar
nunca é demais, sempre é de menos. Quanto mais amamos, mais e mais
poderíamos amar.
Quando
se aborda o assunto – que, insisto, é dos mais “perigosos”
para qualquer escritor – invariavelmente surge a questão: como
sabermos que estamos amando e que o que estivermos sentindo não seja
“só” mera atração física para a satisfação do instintivo
impulso sexual? Sei lá! Cada pessoa tem lá sua teoria a propósito.
Não ponho a mão no fogo por nenhuma. Todas podem estar certas como,
também, todas podem estar completamente erradas.
Uns
dizem, por exemplo, que sabem quando estão amando por intuição.
Outros afirmam que se estabelece uma espécie de corrente magnética
entre o casal que atrai irresistivelmente um parceiro para o outro.
Terceiros, todavia, chegam a jurar que chegam a ouvir uma espécie de
“sino” tocando que lhes indica que aquela determinada pessoa que
os fascina é a adequada para completá-los física, psicológica e
afetivamente. Quem nunca ouviu essa afirmação, por exemplo, em
novelas e filmes ou não a leu nas melhores (e até nas piores)
histórias de amor?
A
escritora norte-america Laura Lee escreveu o seguinte, a propósito:
“Amar, naturalmente, é morar no mais elevado andar da vida, aquela
oscilante torre mais alta que todas as outras, perpetuamente
iluminada pelo resplendor privilegiado da sensação de bem-estar que
nos separa do resto do mundo”. Trata-se de um sentimento que afeta
nossa maneira de agir. Modifica nosso comportamento, para melhor e às
vezes para pior. Faz-nos parecer, em algumas atitudes, até um tanto
“bobos” aos olhos alheios. Claro, aos daqueles que não vivem e
nunca viveram esta mágica experiência.
Laura
Lee diz mais a propósito: “O amor deve ser um ato consciente de
apaixonada paciência – flexível, cheio de astúcia constante; à
prova de fogo e gelo, secas e inundações, à instabilidade
climática do temperamento e da idade. A fim de fazê-lo vencer,
devemos perder todos os preconceitos, inclusive a crença em uma
ventura suprema, e confeccionar algo capaz de abranger experiências
de todas as gamas, do êxtase à queda”.
A
esse propósito, ou seja, sobre os riscos que o amor nos traz de
ferir nossa sensibilidade e de nos causar terrível dor, a saudosa
poetisa Hilda Hilst escreveu, em um de seus poemas, estes expressivos
versos:
“Cansa-me
o amor porque é centelha
e
exige posse e pranto, sal e adeus”.
Ou,
como escreveu o poeta Celso Pedro Lima:
“Sinto-me
partido por dentro/o coração em pedaços
Senhor/põe
aqui a Tua mão!”
Mas...
como diz o vulgo, “quem não arrisca, não petisca”. E qualquer
risco é válido, vale a pena, por um prêmio tão elevado.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Você está indo bem em suas considerações.Hilda Hilst foi perfeita em sua coragem de admitir o fim do amor.
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