O
xis do jornalismo impresso contemporâneo
*
Por George Brito
O
diretor-editorial do jornal Metro,
Ricardo Anderáos, fez uma grata afirmação ao Comunique-se
na
última semana: ‘A capa de hoje (terça) foi destaque do Jornal
da Tarde de
ontem. A gente não tem vergonha de dar o que os outros já deram.
Estamos preocupados com o público, e não com os jornalistas.
Parece-me que os jornalistas escrevem para eles mesmos, não é? Um
jornal, além dos escândalos do Congresso, tem que ser leve, ter
humor. Isso não significa ser superficial’.
Anderáos
falava do desempenho do jornal com distribuição gratuita que está
fazendo imenso sucesso em São Paulo – com a tiragem já aquém da
demanda – e que tem no horizonte aportar em outro estado
brasileiro, por enquanto ainda não definido. Mas de sua declaração
atenho-me à seguinte parte: ‘Parece-me que os jornalistas escrevem
para eles mesmos, não é?’
A
resposta não pode ser fechada a um simples ‘parece’ e pronto.
Como apregoam a boa prática e o código de ética jornalísticos, o
jornalista escreve guiado pela devoção de prestar informação
precisa e relevante ao público. É este o ideal que deve orientar o
exercício jornalístico. No entanto, a formação de um campo social
– nos termos de Pierre Bourdieu – no âmbito da profissão
suscita com fortes cores a indagação de Anderáos.
A práxis desenvolvida
ao longo dos anos destacou como valores diferenciais a exclusividade
da informação e a velocidade com a qual ela é obtida.
Público
diversificado e numeroso
Traduzido
como linguagem de redação na conhecida expressão ‘furo
jornalístico’, a aquisição de informação relevante e
privilegiada se incorporou a um ethos,
por meio do qual se deslumbra o prestígio e reconhecimento dos
pares. Numa sociedade cunhada como a era do conhecimento, entre cujas
características está o acelerado ritmo de processamento de
informação – seja cultural, política, socioeconômica, ou
estritamente científica –, o ‘furo’ se apresenta como um
paradoxo crucial para entender o dilema dos jornais impressos, postos
ante a responsabilidade de informar e formar do jornalista.
Primeiro,
porque o advento do jornalismo online – sobretudo agora, com a
expansão da blogosfera – preconiza uma linha cronológica da
divulgação das notícias que impinge ao jornal impresso, em
primeira instância, desenvolver e aplicar métodos mais eficazes e
profundos de obtenção de informação privilegiada e, em segundo
plano, mais importante, um domínio cognitivo mais abrangente e
esclarecedor daquilo que se reporta. O que se noticia nos jornais
frequentemente já foi divulgado na internet, de forma mais sucinta e
rápida.
O
segundo aspecto relevante é que a repetição da notícia na versão
impressa do que já foi prenunciado na internet reforça, de um lado,
a homogeneização das notícias e, de outro, pode trazer ao leitor
uma complementariedade da informação – esta última já é
tendência da nova visão da imprensa, a exemplo, na Bahia, do A
Tarde com sua política de integração de
conteúdos.
Dentro
deste contexto, está o grande xis da questão. O jornalismo impresso
contemporâneo, curiosamente, pode caminhar na contramão de um ritmo
frenético de informar primeiro e, ainda assim, não abrir mão de
almejar o ‘furo’. Parece bobo, ou mesmo pretensioso, apostar que
a ‘história’ do jornalismo, por assim dizer, está ressuscitando
a necessidade, melhor, a possibilidade das grandes reportagens –
estas que requerem mais tempo de investigação e que, por isso, são
fontes primas de ‘furos’.
Está
aí a grande oportunidade do jornalismo impresso. Além disso, uma
tal visão dada por Anderáos ratifica este trilho promissor. O
diretor-editoral de Metro só
pode fazer aquela afirmação referida acima porque o produto que
dirige trabalha com a gratuidade e com um público-alvo diversificado
e numeroso. Portanto, não concorre diretamente com os outros
jornais, tal qual a internet também não o faz.
À
procura do furo e do prestígio
Mesmo
assim, alguns dirão que a concorrência entre os profissionais
subsiste como fator de pressão para os jornalistas correrem contra o
tempo. Diria que em parte. Se cresce a tendência de jornais
gratuitos, despreocupados com a exclusividade da informação mas,
sim, com o acesso da população a conteúdos importantes, e se
também a internet expande suas fronteiras, cumprindo o papel de
informar primeiro para grandes massas, surge uma real possibilidade
dos jornais se desvencilharem de um cronograma (a lembrar, a agenda
setting de Nelson Traquina) restritivo e
padronizado, e partirem assim para pautas autônomas, criativas,
reveladoras e esclarecedoras.
Na
prática, jornalistas poderão passar com mais frequência dois, três
dias, ou mesmo uma semana, cavando sua pauta, apurando uma boa
reportagem. Sempre à procura do ‘furo’, inerente ao exercício
jornalístico, sem se despreocupar com uma luta por espaço e
prestígio no seu campo social, nem necessariamente estar alheio à
sede do público. É como se aqui escrever para jornalistas fosse o
mesmo que escrever para o leitor. E nos jornais impressos tal
prerrogativa nunca se projetou com tanta proeminência. Só depende
de as empresas começarem a enxergar esta porta.
*
Jornalista.
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