Piscina
*
Por Fernando Sabino
Era
uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de
jardins e, tendo ao lado, uma bela piscina. Pena que a favela, com
seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro,
comprometesse tanto a paisagem.
Diariamente
desfilavam diante do portão aquelas mulheres silenciosas e magras,
lata d’ água na cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade a
carinha de uma criança, olhos grandes e atentos, espiando o jardim.
Outras vezes eram as próprias mulheres que se detinham e ficavam
olhando.
Naquela
manhã de sábado ele tomava seu gim-tônica no terraço, e a mulher
um banho de sol, estirada de maiô à beira da piscina, quando
perceberam que alguém os observava pelo portão entreaberto.
Era
um ser encardido, cujos trapos em forma de saia não bastavam para
defini-la como mulher. Segurava uma lata na mão, e estava parada, à
espreita, silenciosa como um bicho. Por um instante as duas mulheres
se olharam, separadas pela piscina.
De
súbito pareceu à dona de casa que a estranha criatura se
esgueirava, portão adentro, sem tirar dela os olhos. Ergue-se um
pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que ela se
aproximava lentamente: já atingia a piscina, agachava-se junto à
borda de azulejos, sempre a olhá-la, em desafio, e agora colhia água
com a lata. Depois, sem uma palavra, iniciou uma cautelosa retirada,
meio de lado, equilibrando a lata na cabeça – e em pouco sumia-se
pelo portão.
Lá
no terraço o marido, fascinado, assistiu a toda acena. Não durou
mais de um ou dois minutos, mas lhe pareceu sinistra como os
instantes tensos de silêncio e de paz que antecedem um combate. Não
teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
Livro
“A mulher do vizinho”, Rio de Janeiro, 1976.
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Escritor e jornalista.
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