Estímulo ao instinto
Fico
pasmo com a naturalidade com que as pessoas falam da morte. Dos
outros, claro. Sempre que o assunto vem à baila e levanto a
possibilidade dos meus interlocutores morrerem, eles desconversam,
disfarçam, e passam a falar de trivialidades, como o jogo de futebol
da véspera, as tramoias e artimanhas da política e outros quetais.
Sinto
que a vida e, principalmente, o seu oposto, foram banalizados ao
extremo, como se os seres humanos se tratassem, apenas, de números
estatísticos, de cifras manipuláveis e descartáveis, e não de
gente como a gente, com nossas mesmas dúvidas, problemas, fraquezas,
aspirações, vulnerabilidades e temores.
E
olhem que sequer estou me referindo à matança indiscriminada de
espécies, vegetais e animais, que se pratica a todo o momento, com
uma velocidade estonteante e com uma indiferença olímpica sobre as
consequências que isso pode e tende a causar.
Nós,
escritores, autores de peças de teatro, roteiristas de novelas de TV
e de filmes, temos grande parte da culpa disso acontecer. Não que,
se não incluíssemos em nossos textos essa infinidade de
assassinatos e assassinos de que tratamos, ninguém mais iria matar
ninguém. Uma afirmação dessas seria não apenas falsa, mas pueril
e de uma burrice monumental.
Mas
a forma com que tratamos essa manifestação extrema de violência
tem lá sua influência, notadamente em mentes mais fracas (e são
tantas!). Via de regra, nossos enredos passam a impressão (mesmo à
nossa revelia) de que matar, dependendo de quem seja a vítima e de
quais forem as circunstâncias, é a coisa mais natural do mundo.
Claro que nunca foi, não é e jamais deveria ser. É um ato grave,
gravíssimo, injustificável, injustificabilíssimo, um delito
absurdo, por maiores que sejam as tentativas de tornar minimamente
aceitável um horror desses.
E
o que fazer? Banir os assassinatos dos nossos textos? Claro que não!
Nossa atividade implica em tratar, sempre e sempre, da vida
exatamente como ela é. Ou seja, sem omitir coisa alguma, quer
façamos ficção, quer não. E infelizmente, esse grave (gravíssimo)
evento existe.
Compete-nos,
com habilidade (é nessas ocasiões que temos a chance de exibir
nosso verdadeiro talento), deixar pelo menos implícito (se não for
possível explicitar), que por mais justificável que esse ato
extremo pareça, é errado, é grave, é assassinato e não deve ser
praticado, e muito menos repetido como ocorre no cotidiano.
Não
chegarei ao desplante de afirmar que romances, novelas e filmes
violentos promovam a violência ou mesmo remotamente sejam causas da
sua escalada. Esse é um tema por demais complexo, tem inúmeras
origens e não comporta explicações simplistas.
Mas
que, essa banalização da morte desperta, ou pelo menos estimula, o
instinto tânico, o de destruição, em mentes fracas e em indivíduos
com graves taras, deficiências mentais e/ou comportamentais de toda
a sorte e instinto inato de matar, disso não tenho a mínima dúvida.
Até
por formação, sou avesso a qualquer tipo de censura. Recomendo,
porém, a quem escreva para o público, que reflita bastante antes de
tratar de morte em seus escritos. Pense na possibilidade de você ser
não o que a descreve, mas a vítima. Ainda assim, ostentando essa
condição, você consideraria o ato de matar justificável em
qualquer circunstância? Duvido! Pimenta só não arde quando é
esfregada nos olhos dos outros. Quando é nos nossos....ai, ai, ai.
Tenha
em mente que você jamais saberá em que mãos seu texto irá cair.
Tanto pode ir parar nas de uma pessoa “normal” (embora sejam
sumamente vagos os critérios de normalidade), sensata e com senso
crítico, quanto nas de um desequilibrado, de um homicida potencial,
de um paranoico insensível que não dê o mínimo valor à vida
alheia (e provavelmente nem à própria) e que apenas busque qualquer
justificativa para praticar este ato terrível e sem volta.
Outra
coisa que jamais entendi, desde menino (e olhem que isso já faz
muuuito tempo), é a guerra. É o fato de dois governantes, de países
diferentes, se desentenderem por algum motivo (via de regra banal e
sem importância) e, por causa disso, levarem seus respectivos povos
a se trucidarem, mesmo tendo em conta que os soldados que se
digladiam nos campos de batalha sequer se conhecem, quanto mais têm
motivos de se odiar e de matarem uns aos outros.
Mesmo
sem se conhecer, porém, estimulados por aparatos irresponsáveis de
propaganda, veem, uns aos outros, como inconciliáveis inimigos, que
precisem ser eliminados como ervas daninhas. E ainda dizem que nossa
espécie é a do Homo Sapiens!
Isso
contraria profundamente minha educação rigorosamente cartesiana.
Não vejo a mínima lógica nesse procedimento. E, no entanto... As
páginas da história, salvo uma ou outra exceção, foram escritas,
quase todas, com sangue, muito sangue e há multidões que acham isso
“normal”. Como pode?!!!!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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