Literário

Sem crotouns, com lombra

* Por Leandro Barbieri

-Uma meia tradicional sem crotouns, por favor...

O garçom foi buscar, ele retomou o assunto. Mas a mesa já não estava mais interessada. O foco agora era a meia tradicional sem crotouns. Um perguntou. Ele respondeu:

-Salada tradicional... Poucos sabem, mas eles também servem meia porção... Eu pedi meia salada tradicional sem crotouns, aquelas torradinhas...

Ele não gostava de crotouns... O crocante, o diferencial...

-Eu gosto de crotouns... Mas tenho lombra...

Qualquer possibilidade de assunto estava minada... A meia tradicional já provocara certo burburinho, mas foi a lombra que estragou a noite.

-Lombra... Gente, pelo amor... Lombra... Jeitinho... Manha...

Lombra era manha... Não pedir crotouns por ter lombra era o mesmo que não pedir torradinhas por ter manha... Ficou vago...

-Eu como a salada segurando a faca com a mão direita e o garfo com a esquerda. Com um eu corto, com os dois eu recheio e dobro o alface, com o outro eu levo à boca. Os crotouns atrapalhariam, percebe? Eu teria que recolhê-los... Crotouns não se deixam espetar. Estouram, não participam... Não dá...

Alguns se retiraram. Outros se calaram. Eu transformei em crônica.

* Roteirista, diretor e pesquisador de Telenovelas nacionais. Escreveu Retrato da Lapa  (a primeira novela da TV a Cabo brasileira) e Umas & Outras (a primeira novela da Internet), as quais também dirigiu em parceria com Silvia Cabezaolias. Assina o roteiro da webnovela Alô Alô Mulheres na allTV, onde é diretor do núcleo de dramaturgia.