As
delícias de um país doce
* Por
Urda Alice Klueger
Estou
voltando de uma viagem pelo Noroeste da América do Sul, e fiquei
pensando sobre o que contaria primeiro para vocês. Aconteceram mil
coisas e situações, vi coisas interessantíssimas, conheci inúmeras
pessoas, de maneira que fica difícil escolher o que contar primeiro,
mas o coração me manda falar sobre o Equador.
Nada
sabemos sobre o Equador, no Brasil. Viajei para lá com a
fotocópia de um texto que dava dados técnicos sobre esse pequeno
país, tipo população, área,
língua,
moeda, fuso horário, etc., mas que nada dizia sobre a doçura
que encontraria lá.
País cheio de vulcões e
sujeito a terremotos (imagino que até os terremotos sejam doces por
lá), o Equador é minúsculo, mas possui litoral rico (as Ilhas
Galápagos fazem parte do seu território), está sobre os
Andes, e desce, do outro lado, até à selva Amazônica, onde se
situa o seu petróleo. Só conheci a parte andina, doce e verde
parte andina, onde chove toda a tarde e tudo é de uma grande
fertilidade.
A impressão que tive, é de
que o Equador é um país que ainda não perdeu a ingenuidade.
Vive-se, lá, à base de ilimitada confiança, de intensa alegria, de
extremada simpatia. O equatoriano não pode ver uma pessoa indecisa,
numa esquina, que logo se aproxima, para ver se pode ser útil, e uma
primeira pessoa puxa a segunda, e logo tem-se umas dez pessoas
querendo ajudar, dez simpáticos equatorianos cheios de riso e
sem nenhuma malícia, imbuídos do mais puro sentimento de
solidariedade que já vi por aí.
Andei muito de ônibus no
Equador, e acho que vale contar para deixar mais claro o que estou
dizendo.
Num
ônibus, vai o motorista, e ao seu lado, de costas para o público, o
cobrador (ou cobradora: lindas moças de meias de seda, sapatos de
salto e maquilagem caprichada, como andam quase todas as equatorianas
não-índias). A passagem, lá, é por quilometragem: até o ponto
tal custa tantos sucres, até o outro ponto, um pouco mais caro, e
assim por diante (1 dólar = 3.400 sucres). Os passageiros vão
entrando, dizendo para o cobrador que está de costas até onde
irão, entregam o dinheiro a ele, que vai empilhando notas e moedas à
sua frente, e que não confere nada: não há roleta, bilhetes de
controle, nada. A honestidade de toda a população faz com que tudo
funcione perfeitamente, sem o menor controle. No final da linha, o
cobrador entrega ao motorista o dinheiro recebido
o motorista o coloca no bolso sem conferir nada, e a vida continua,
cheia de uma doçura que pensei que não mais existisse.
Vi
pessoas pobres no Equador, mas não vi miseráveis, dos quais o
Brasil é tão pródigo. Quando saímos de Quito, em direcão ao
Norte, prestei a maior atenção para ver se havia favelas nos
arredores da cidade, mas não consegui ver nenhuma. Disseram-me,
depois, que há favela no lado Sul
afinal, nada é absolutamente perfeito.
Sei
que aquele povo simples e honesto é extremamente alegre:
impressionou-me
a quantidade e a qualidade do seu riso. Basta estar junta uma
família, ou um grupo de amigos, para que todos estejam rindo, um
riso ingênuo, sem malícia, contagiante na sua alegria pura e doce,
como é doce e ingênuo aquele país!
E
o artesanato do Equador, ah! o artesanato do Equador! Já andei uma
porção por este mundo, mas em nenhum lugar vi artesanato mais lindo
do que o do Equador! Reflexo de um povo ingênuo e feliz, o
artesanato equatoriano tem uma leveza, uma pura alegria nas suas
cores e no seu equilíbrio estético, que tira o fôlego de
fascinação. De tudo há: roupas, bordados, crochês, tapetes,
quadros, espelhos, madeira
uma loucura para uma brasileira sem grana como eu, que gostaria
de ter comprado tudo, mas que não tinha como fazê-lo, tanto pela
falta de grana quanto pela falta de espaço para carregar tanta coisa
linda! E tudo baratíssimo, por dez dólares compra-se lindíssimos
vestidos bordados (é claro que trouxe um)
a minha mágoa foi não ter como trazer um daqueles maravilhosos
espelhos decorados, que me deixavam babando de cada vez que olhava
para eles.
Querido e doce Equador, se
Deus quiser, um dia eu volto. Para um mês inteiro, e não apenas
para quatro dias, como foi dessa vez! E muito doce estar ao
embalo do teu regaço!
Blumenau, 08 de outubro de
1996.
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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