Outonos
na Praia de Piçarras
* Por
Urda Alice Klueger.
(Para
S. R. V. S.)
E
então, no outono, a Praia se fez alegre e doce, e estava pejada do
encanto do se lembrar, desde das pequenas coisas que
fizeram os verões antigos das meninas que iam a Piçarras de ônibus
para justificar as tardes que estavam explodindo de tanta vida
naqueles tempos em que para mim, o carregar da própria vida era um
fardo quase insuportável.
Teríamos
nos cruzado na Petisqueira do Alírio nas noites em que eu conversava
com meu grande amigo, o poeta Marcos Konder Reis, noites em que
princesinhas dançavam? É possível, não se sabe. Princesas têm
prerrogativas únicas; podem bailar de forma invisível no entorno da
gente sem que se pressinta – mas penso que o coração deveria ter
sentido, este coração que às vezes pode ser tão cego e que só
sabe que amar nunca é demasiado e que no amor cabem os laços e os
diversos fios de uma meada, porque o amor é muito maior que qualquer
amplidão que alcancem os braços e pode abarcar o futuro, o passado
e o presente, porque para o amor não há tempo e nem espaço e nem
limites.
Então,
na alegria da praia no outono havia uma manta de crochê
especialmente feita para defender princesas do vento frio, e tanto a
pensar, a lembrar e a sentir, e a mim era muito difícil entender que
o tempo havia passado e que pequenas libélulas douradas haviam
crescido e já não tinham os cabelos de seda voando ao vento de um
fusca que fugiu pelo tempo afora, mas os cabelos eram dourados e
persistiam na alegria da praia, e havia um cachorro que buscava
migalhas do piquenique e as enterrava na areia próxima, e a tarde se
desvanecia em crepúsculo, e praias como aquela, com capins e moitas
e rio escondem mistérios de vida em forma de pios e ninhos e
filhotes que só se fazem notar quando a noite está caindo e que nos
dão a dimensão do grande encanto que é o universo. E uma ternura
trêmula e imensa pairava ali na praia onde os passarinhos se
preparavam para dormir, e o outono era encantado pela princesinha de
manta de crochê, bem como são as princesas, pois elas podem
espargir chuvas de miúdas pérolas com seus dedos de nácar e fazer
brilhar como cristal olhos que por muito tempo tiveram apenas
tristeza, e tudo podem com o poder que o amor lhes dá, e a mim me
dava toda uma redenção naquele piquenique de loucinhas azuis, torta
de nata, queijinhos e azeitonas.
O
sol que se punha dourava os prédios distantes, lá na outra praia, e
a vida podia parar naquele momento, de tão perfeito que era, pois
além de tudo o mais, no trapiche perto do rio havia a imagem de um
homem de cabelos de fino cobre que ali pescara fazia muito, muito
tempo, quando as meninas eram pequenas e que me beijara um dia, antes
daquelas férias já quase esquecidas no túnel do tempo.
Para
momento de tal densidade eu usava minha bata de flanela verde, como
se fosse um dia comum, mas tinha na alma uma sinfonia que dignificava
tudo. Coisas do amor, assim como já falei mais para cima.
São
Paulo, 22 de agosto de 2015
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela
UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de
2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e
“No tempo das tangerinas” (12 edições).
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