Cínicos e oportunistas
Os
dois tipos de pessoas que mais abomino e que me causam maior
irritação são os cínicos e os oportunistas. Ambos, via de regra,
são preparados, esclarecidos e, portanto aptos a dar grandes
contribuições à humanidade. Mas não dão. São omissos. Adoram a
si próprios, como se fossem “divindades”, e não têm o menor
escrúpulo em passar por cima de quem quer que seja, se isso for
necessário para os seus propósitos. São chacais que se alimentam
da vulnerabilidade alheia.
O
tema me foi sugerido pela leitura do livro “A Estrada Sinuosa”,
de Morris West, em que o escritor australiano se põe na pele de um
jornalista e faz lúcidas observações a propósito, com as quais
concordo plenamente, e que me proponho a analisar. Chamou-me a
atenção, em especial, sua crítica (até que serena e ponderada) ao
comportamento vicioso de determinados profissionais de imprensa, que
conspurcam a profissão que abracei há já várias décadas, com o
seu oportunismo calhorda.
Aliás,
há tempos devo um testemunho a esse campeão de vendas no mundo todo
e que, no entanto, sempre foi ignorado pelos críticos literários e
considerado (injustamente) como um “escritor menor”. Como se o
fato de esgotar edições e mais edições dos 26 romances que nos
legou fosse um delito que o diminuísse, em vez de o engrandecer.
Morris
West nasceu em Santa Kilda, no Estado australiano de Victoria, em 26
de abril de 1916. Foi, durante muitos anos, professor, mas em certa
época da sua vida, sentiu vocação para a vida religiosa. Passou
doze anos em um mosteiro, mas não chegou a se ordenar padre. Embora
sem perder a fé, nunca concordou com certas práticas dos sacerdotes
católicos, notadamente, com o celibato, que considerava inútil e
desnecessário.
Passou
a dedicar-se à literatura e não tardou para que esgotasse edição
após edição dos seus romances. Tenho todos (absolutamente todos)
os livros de Morris West, que li e reli (alguns, até cinco vezes) e
anotei observações pertinentes e sábias, que raramente encontrei
em obras de outros escritores. Como o público leitor não é tão
tolo, como muitos julgam, transformou-se num campeão de vendas, em
autêntica mina de ouro para os editores. Daí o meu pasmo com
tratamento que os críticos literários sempre lhe deram. Tenho lá
minhas dúvidas se eles sequer leram, de fato, o que esse
talentosíssimo escritor escreveu.
Morris
West teve morte “gloriosa” (que sonho ter igual). Ou seja, foi
fulminado por um ataque cardíaco enquanto escrevia um dos capítulos
da novela “The last confession”, que, claro, não chegou a
concluir, baseada na vida de Giordano Bruno, vítima da Inquisição,
que o condenou à morte por considerar suas lúcidas ideias como
sendo heréticas. Morreu fazendo o que mais gostava.
Sobre
o tema destas considerações, o escritor australiano escreveu:
“Todas as profissões têm os seus cínicos e os seus oportunistas.
Existem grandes cirurgiões com o poder de curar as mais graves
doenças e que, apesar disso, preferem ganhar fortunas ao fazer
operações plásticas em estrelas de Hollywood ou velhas ricas que
estão sempre dispostas a tudo para recuperar algo da juventude
perdida”.
Não
se restringe, porém, aos profissionais da Medicina. Prossegue: “Há
juizes que falseiam a justiça, padres que pervertem a Igreja”. E
não há? Vemos isso, amiúde, por aí e não raro temos que nos
calar, para não arranjarmos confusão. Oh, cínicos e oportunistas,
que mal vocês fazem à sociedade e, sobretudo, à humanidade!
Mas
o trecho, para mim, mais importante, é o que se refere à minha
profissão. Morris West escreve: “Existem, infelizmente, muitos
jornalistas que deturpam as suas verdadeiras funções por causa da
política e do aumento da circulação do jornal”. Contudo, o
escritor australiano é justo em suas ponderações. Fornece um álibi
aos que “vendem” seu talento aos poderosos.
Pondera:
“A maioria deles (jornalistas), porém, ainda acredita que a sua
missão é apenas comunicar a verdade. Esses jornalistas não são os
donos dos meios de informação e veem-se obrigados a recorrer a
estratagemas para conseguirem publicar a verdade. Não o podem fazer,
por vezes, mas acreditam firmemente no direito de o público ser
posto a par de toda a verdade. Acreditam... que a verdade tem a sua
própria virtude, como uma seiva própria, e que matá-la é destruir
uma fonte de vida e de progresso”. E não é o que os bons
jornalistas acreditam? Claro que sim!
Morris
West arremata suas lúcidas considerações com esta basilar
constatação: “A tirania floresce na escuridão e a corrupção
alimenta-se a portas fechadas. Se uma criança morre tuberculosa, ...
a culpa é atribuída sempre ao fato de a verdade haver sido
escondida ou de não ter sido revelada a tempo”.
Parodiando
Cícero, nas célebres “Catilinárias”, só posso exclamar, farto
dos sacanas e dos omissos: “Quo usque tandem abutere”, ó cínicos
e oportunistas, “patientia nostra”? “Até quando vocês
abusarão da nossa paciência”?!
Boa leitura!
O Editor.
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O cirurgião plástico é um cínico por trabalhar com estética? E a estética reparadora junto com a rejuvenescedora seriam um mal em si? Discordo do senhor Morris West.
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