Recompensa ou fim?
A
palavra felicidade, junto com outros tantos conceitos ambíguos, como
amor, esperança, fé etc.etc.etc. é uma das mais abordadas por
poetas, romancistas, dramaturgos, psicólogos e filósofos de todos
os tempos e das menos compreendidas. Há pessoas que são
absolutamente felizes por nada e outras, por seu turno, têm tudo o
que alguém possa aspirar e são “poços” de infelicidade. Por
que?
Antoine
de Saint-Exupéry, por exemplo, considera que a felicidade seja
“recompensa” e não “fim”. Discordo. Entendo que ela seja uma
predisposição, uma condição espiritual favorável, um estado de
satisfação íntima que não depende de nada e ninguém para se
instalar em nossas vidas.
Para
sermos felizes, temos de “querer” sê-lo, mas com a máxima
intensidade, de coração e alma abertos, sem atentar para o que
somos, o que temos e com quem estamos. Claro que não sou o dono da
verdade e posso, perfeitamente, estar equivocado a respeito. Escrevo,
porém, com base, exclusivamente, na minha experiência pessoal e
asseguro que, na maior parte do tempo, sou feliz! Por que? Porque
quero!
É
possível tratarmos da felicidade, cultivarmos esse estado de
espírito, esta predisposição positiva face à vida, como uma
planta delicada, para que sempre permaneça viçosa e florida?
Entendo que sim! Não só podemos, como devemos cultivá-la,
tratá-la, adubá-la com o adubo do afeto, do amor e das amizades e
borrifá-la com o defensivo da fé, da esperança e da alegria, para
que as ervas daninhas da inveja, do rancor, do desespero e de tantos
e tantos outros nefastos, mas evitáveis, parasitas, não a sufoquem
e lhe tirem o viço.
Vinicius
de Moraes, nos versos finais do clássico “A felicidade”, trilha
sonora do filme “Orfeu no Carnaval” (com melodia de Luís Bonfá),
diz:
“A
felicidade é uma coisa boa
e
tão delicada também,
tem
flores e amores
de
todas as cores,
tem
ninhos de passarinhos
tudo
de bom ela tem
e
é por ela ser assim tão delicada
que
eu trato dela sempre muito bem”.
Até
porque, o início dessa canção soa como advertência:
“Tristeza
não tem fim
felicidade
sim”.
Evitemos
que ela se acabe.
Nunca
deixemos as portas da alma entreabertas, ou seja, nem abertas por
completo e nem fechadas de vez. Esse é o caminho das meias-verdades
– que são piores que as mentiras explícitas por causa da sua
verossimilhança – e da insensatez, que nos conduz ao erro e à
infelicidade.
Escancaremos,
sim, as portas do nosso entendimento à verdade, à felicidade, ao
amor, às amizades, à alegria, ao bom humor e à solidariedade,
entre outros tantos sentimentos bons. E tranquemo-las a sete chaves –
se possível com o reforço de um ferrolho – à inveja, intriga,
rancor, violência, egoísmo e aos demais venenos da alma. Mas nunca,
em circunstância alguma, as deixemos apenas entreabertas.
Tudo
o que se faz na vida gera algum efeito. Nada, absolutamente nada
passa incólume. Às vezes, é verdade, os atos são imperceptíveis
e ficam assim para sempre. O efeito gerado é ínfimo e quem os
praticou se conforma em não ser identificado. Às vezes, as ações
tardam a ser percebidas e o autor, igualmente, permanece incógnito.
Às
vezes, a percepção é imediata, mas as conseqüências é que são
imperceptíveis. E às vezes, os atos (bons ou ruins) são percebidos
de imediato e premiados ou punidos, de acordo com sua natureza, sem
tardança. Mas tudo, absolutamente tudo o que se faz na vida gera
algum efeito.
São
os rastros, as marcas, os vestígios de nossa existência que
deixamos nos caminhos do tempo. Cecília Meirelles ilustra essa
situação de forma lírica e bela, com estes versos que encerram o
poema “4º motivo da rosa”, e com os quais encerro, também, essa
nossa periódica conversa:
“Eu
deixo aroma até nos meus espinhos
ao
longe o vento, o vento vai falando de mim
E
por perder-me é que vão me lembrando,
por
desfolhar-me é que não tenho fim”.
Desfolho-me,
em cada lugar que passo, deixando um pouco de mim. Busco espalhar
perfume no caminho que trilho, na tentativa de ser lembrado com
carinho pelos que comigo conviveram ou que, ao menos, me conheceram.
Tento, sobretudo, semear exemplos de conduta e motivar as pessoas na
conquista e manutenção da felicidade. Como Cecília Meirelles, “por
desfolhar-me é que não tenho fim”.
Boa leitura!
O Editor.
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