Lágrima
de pedra
* Por
Marco Vasques
“Caiu-me
o olhar para a límpida fonte;
Que logo
desviei, colhendo a ver a
Imagem da
vergonha em minha fronte.”
(Dante
in Purgatório, canto XXX)
o metal
na veia orquestra os órgãos
e
desenhos no monturo se acumulam
coração
pulmão fígado e voz entram
espontâneos
na faca que expia a artéria
e bate no
peito um esquife dobrando
a esquina
acompanhado pela multidão
com
lágrimas de pedra e ranger de
madeiras
nas pernas de mortos vindouros
um copo
de ácido na saliva
não
corrói o aço da faca na garganta
e nem
impede o corte vertical
da lâmina
que divide a língua
e faz
surgir do homem um copo
de vinho
dividido em leucócitos e
eritrócitos
que escorrem nos dias e nas noites
do outro
lado da cidade
encontro
outros órgãos longe
da
orquestração cotidiana
porém
próximos dos risos dos revólveres
e na
absoluta solidão
grita a
filantropia de um coração andarilho
no desejo
de construir uma orquestra sinfônica
em que as
facas não sangrem o violino
e a
cadeira de rodas posta à frente do piano
não
emane a mesma e única música
que ecoa
na calmaria dos lagos
onde
dormem afogados
meninos
com suas canções de ninar
jovens
guitarras elétricas homens
mulheres
anjos demônios mísseis
moedas
cédulas prédios carros
placas de
advertência e a desconexão
completa
dos dedos sujos de pólvora
no aborto
dos órgãos só varia
a
estupidez humana em aperfeiçoar
os
acordes da vida
quando se
está condenado a
tocar
sempre a mesma nota
(Do livro
Elegias Urbanas, Bem-te-vi, RJ, 2005)
* Poeta e crítico de poesia. Bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Faz mestrado em Filosofia da Linguagem. Autor de Elegias Urbanas (Poemas, 2005, Bem-te-vi, Rio de Janeiro), Diálogos com a literatura brasileira – volume I (entrevistas, 2004, EdUFSC/Movimento, SC/RS), Diálogos com a literatura brasileira – volume II (entrevistas, 2007, EdUFSC/Movimento, SC/RS) e Harmonias do Inferno (contos, 2005, edição do autor). Tem no preloFlauta sem Boca (poemas) e trabalha no Diálogos com a literatura brasileira - volume III. Nasceu em Estância Velha, 1975, vive em Florianópolis, mas é de Imbituba, onde passou a infância.
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