Resistência das sementes
O
homem evoluído, que tem consciência do seu papel no mundo e se
empenha na sua realização (raridade em todos os tempos), sem
esperar vantagem material, é, sobretudo, generoso. A evolução da
espécie humana deve tudo a essas pessoas abnegadas, que surgem a
cada geração, determinando saltos evolutivos desse estranho e
precioso animal que pensa (ou pelo menos conta com essa capacidade),
mas que nem sempre dá um sentido positivo ao pensamento.
Tais
indivíduos são os responsáveis pelas descobertas científicas,
pelo desenvolvimento das artes, pela Justiça, pela organização
política e social, pelos sistemas econômicos e pela geração e
veiculação de ideias. Sua característica marcante é a
generosidade. Semeiam inteligência e princípios incansavelmente,
sem sequer atentar para o "solo" onde as sementes irão
cair. Dão oportunidade a todos os que queiram usufruir de sua ação,
sem nenhuma espécie de preconceito ou discriminação.
Das dezenas de bilhões de
pessoas que já viveram, desde o surgimento do homem na Terra, apenas
alguns milhares são lembrados, e, assim mesmo, eventualmente. Os
demais... O dramaturgo Berthold Brecht levanta a seguinte questão,
em uma das suas peças: “Quem construiu as sete torres de Tebas? Os
livros estão cheios de nomes de reis. Foram reis que arrastaram os
blocos de pedra? Na noite em que a Muralha da China foi concluída
aonde foram os pedreiros?”
As grandes obras, sejam de
que natureza forem, portanto, não são garantias de imortalidade.
Nada é! As pequenas...? Não será criando barreiras de
preconceitos, nem arrotando a importância, que na verdade não se
tem, e muito menos será pisando sobre os que não tiveram ou não
souberam aproveitar oportunidades, que se construirão as bases para
um cotidiano saudável. Serão a solidariedade, o amor e as genuínas
amizades.
Khalil
Gibran Khalil escreveu, em um de seus mais belos poemas: “A neve e
a tempestade destroem as flores, mas nada podem contra a semente”.
As guerras e as catástrofes naturais destroem as obras, mas são
impotentes para destruir ideias. É isso o que precisamos “semear”
vida afora.
Há pessoas que vivem 80
anos ou mais e quando morrem não têm nada para deixar, não apenas
aos familiares, mas à comunidade em que viveram. Outras, deixam
rastros de destruição, de ódio e de rancor e, quando são
lembradas, as lembranças são de um pesadelo que passou.
Outras, todavia,
desaparecem prematuramente, com uma bagagem de realizações tão
grande que chega a ser desproporcional aos anos que viveram. Tenhamos
em mente que foram as ideias (não foi a força), que tiraram o homem
das cavernas, com a maior revolução já ocorrida em todos os
tempos: a descoberta da agricultura.
Foi a ciência, e não o
comércio, que ampliou os anos de vida desse animal frágil, exposto
a um número incontável de doenças, e lhe proporcionou conforto e
segurança. Foram as artes, e não as guerras, que deram sentido à
vida, com a revelação da beleza. No entanto, tudo isso está sendo
deixado de lado, trocado por acúmulo de "bens", que na
verdade são "males".
Seria
saudável a cada pessoa se, ao despertar, ela pensasse que esse dia
pode ser o último de sua passagem na Terra. Pode parecer mórbido,
mas não é. É um exercício de humildade. Da humildade que o homem
perdeu e precisa recuperar. Esqueceu-se da sua efemeridade, arrotando
um poder que em verdade não possui.
Falta
ao ser humano – pelo menos à maioria – descobrir seu verdadeiro
papel e exercitá-lo. Só assim este macabro inferno de violência,
de injustiças e de egoísmo, poderá ser transformado em um lugar
bom para se viver…
As
boas ideias, as que são embriões das grandes obras e que, não
raro, até revolucionam o mundo, surgem de repente, quando menos
esperamos, como que por acaso. Devemos estar atentos, e, sobretudo,
preparados, para não deixar escapar essas preciosas oportunidades,
que raramente voltam a aparecer.
Alguns,
chamam esses momentos especiais de “inspirações”, que de nada
valem, frise-se, se não vierem acompanhados de ações, de esforços,
de atos concretos e competentes. Ou seja, de “transpiração”.
Tenhamos em mente que nossas ideias nos personalizam, elevam,
depreciam ou engrandecem, dependendo do seu teor e intensidade.
Se
positivas e altruístas, desde que praticada, nos perpetuam no
coração dos que se beneficiam, direta ou indiretamente, delas e
promovem progresso, grandeza e transcendência. São aquela semente a
que Gibran se refere, que nem a neve e nem as tempestades têm o
poder de destruir.
Se
nossas ideias, contudo, forem destrutivas, corruptoras, malévolas e
chulas, despertarão horror e ira nos mais sensatos e, caso venham a
ser aplicadas pelos tíbios e sem personalidade, resultarão em
intensos sofrimentos e desgraças para um número incontável de
pessoas. Afinal, elas podem nos apequenar (e aos que as
compartilharem) ou engrandecer.
São
as ideias que, de fato, governam o mundo. Por isso devem ser
policiadas, dia e noite, e filtradas, para que só as construtivas
prevaleçam. Não há como, pois, não dar razão a Victor Hugo,
quando alerta: “Estamos nas mãos desses deuses, desses monstros,
desses gigantes: nossas ideias”. Tornemos as nossas em armas
eficazes do bem e da justiça. Façamos-las sementes indestrutíveis
contra as quais a neve, a tempestade e quaisquer outros fatores sejam
impotentes.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Poderíamos ser sim, mais construtivos.
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