O
ex
* Por
Gustavo do Carmo
Era
a primeira que reencontrava o ex-marido após a assinatura do
divórcio. Foram casados por apenas dois anos, mas namoraram durante
quase vinte, quando Andrea e Fábio ainda estavam na adolescência.
Agora Andrea é noiva de Cornélio, um jornalista que conseguiu o seu
primeiro emprego de repórter cultural aos 35 anos, indicado por um
ex-colega de faculdade.
Cornélio
e Andrea conheceram-se na revista onde ele trabalhava como repórter.
Ela, fotógrafa. Começaram a namorar três meses depois dele chegar
à revista. No ano seguinte já marcaram o casamento.
Mesmo
trabalhando como jornalista, Cornélio era muito tímido. Só falava
o necessário com os colegas e o diretor da revista, amigo do seu
ex-colega. Entrevistava as personalidades culturais com muito
respeito. Com muita educação. Até exagerados.
Com
essas duas qualidades conquistou Andrea, que investiu no novo
namorado, um ano depois de se separar de Fábio. Aliás, ela era a
única amiga dele na redação da revista. Cornélio tinha esse nome
feio, mas possuía uma beleza simples. Era um pouco barrigudo, moreno
e de estatura média. Andrea também tinha uma beleza normal. Loura,
alta, seios pequenos e quadril um pouco largo.
As
famílias dos dois jornalistas já se conheceram. O carinho e a boa
receptividade eram recíprocos nos dois lados. Cornélio adorava a
lasanha da sogra e Andrea o estrogonofe da mãe do noivo. O namoro
dos dois, porém, não era aceito na redação. As amigas de Andréa
tentavam dissuadi-la a terminar o namoro com Cornélio porque o
achavam muito esquisito e ela merecia um homem melhor, como Fábio.
Cornélio
sempre cobria peças de teatro, lançamentos de livros, vernissages
de arte, pré-estreias de filmes, shows musicais, entre outras
manifestações culturais. Andrea era fotógrafa, mas não da
editoria dele. Atuava no Cotidiano. Mesmo assim, sempre o acompanhava
nesses eventos, como sua noiva.
E
foi numa premiação de teatro que ela reencontrou Fábio, dois anos
depois do divórcio. Haviam perdido contato. Ele estava sozinho.
Grisalho, alto, forte. Belo e elegante com um terno Armani. Era mais
seguro e decidido que Cornélio. E ainda era rico. Empresário,
dirigia a companhia de telecomunicações que patrocinava o evento.
Se
soubesse, Cornélio jamais teria levado a noiva com ele. Era
ciumento, embora não demonstrasse. Sabia quem ele era pelas fotos
dele que viu no seu celular. Percebeu que Andrea ficou tocada pelo
reencontro com o ex-marido, com quem não falou durante o evento.
Ficou
abobalhada, derramou champanhe no vestido, dava-lhe respostas fora do
contexto das perguntas, entre outras distrações. Um sentimento de
nostalgia sexual e romântica tomou conta de Andrea.
A
partir de então, Cornélio passou o evento todo em silêncio, sem
puxar um único assunto com a noiva. Só abriu a boca para
entrevistar as celebridades da premiação. Andrea notou que o noivo
percebeu a sua saudade pelo ex. Tentou puxar assunto sobre os
bastidores da festa. Ele fez apenas comentários secos.
Somente
em casa, Cornélio abriu o jogo:
—
Andrea,
notei que você ficou estranha depois que reencontrou o seu ex.
—
Não,
Nélio. Imagina. Esquivou-se, com medo do noivo agredi-la por uma
crise de ciúmes.
—
Fala
a verdade, Andrea! Gritou. — Eu não vou te bater, eu não vou te
xingar. Você quer voltar pra ele?
Depois
de quase um minuto de silêncio e suspiros, Andrea decidiu.
—
Quero
sim, amor! Eu estou morrendo de saudades. O Fábio é mais rico,
bonito e seguro que você. Nós dois trabalhamos e ganhamos pouco na
revista. Não quero me casar e trabalhar apenas para complementar a
nossa renda. Quero trabalhar por prazer. Além disso, lá na redação
ninguém te aceita como meu noivo. Todo mundo quer que eu volte pra
ele. Desculpa te jogar essa verdade na sua cara, Fábio. Eu te amo,
mas como um amigo, um irmão.
—
OK.
Eu já esperava isso. Acabou o noivado, então. Respondeu Cornélio,
antes de deixar a casa que já havia alugado para morar com Andrea.
Rescindiu
o contrato do aluguel, pediu demissão da revista porque não tinha
mais clima para se encontrar com Andrea e voltou a morar com os pais
idosos. Andrea procurou Fábio através dos seus contatos como
jornalista. Reencontrou-o. Viajou com ele. Recasaram-se, tiveram dois
filhos e viveram felizes até ela encontrar um amante, mais forte e
bonito que Cornélio, com quem nunca mais teve contato. Muito menos
depois que se tornou uma fotógrafa premiada e de fama mundial.
*
Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração.
Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de
São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos”.
Bookess
- http://www.bookess.com/read/4103-indecisos-entre-outros-contos/ e
PerSe
-http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1383616386310
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