Sem exagerar nas ilusões
* Por
Paulo Moreira Leite
Num país indignado
diante da deposição de Dilma, num processo vergonhoso que a maioria dos
brasileiros imaginava pertencer aos arquivos de uma história tumultuada e
lamentável, convém não cultivar ilusões exageradas a respeito do caráter
benigno do golpe de 31 de agosto de 2016. Os antecedentes ajudam a entender o
que quero dizer.
A reação padrão ao
golpe de 1964 foi do próprio João Goulart, o presidente deposto. Convencido de
que seria uma iniciativa passageira, Jango
deixou o país certo de que logo estaria de volta. Só pode retornar num
caixão, em 1976. O regime militar durou 21 anos, se você considerar que a posse
do civil José Sarney, escolhido por regras criadas pela ditadura, marcou o
início da democracia. Ou 25, se você definir a eleição direta para a escolha de
presidente da Republica, realizada em 1989, como o marco divisório.
Não se trata de uma
peculiaridade brasileira. Em 1922, a posse de um ditador como Benito Mussolini,
líder de hordas fascistas que abriram o caminho até Roma com ataques a
sindicatos, pancadaria e assassinatos de lideres socialistas, foi acompanhada
de um ambiente de otimismo e boa vontade. Como a média de idade dos novos
governantes era baixa, o tom geral era celebrar o espírito renovador da
juventude. Como o Rei Vitório Emanoel nomeou Mussolini dentro do ritual de uma
monarquia parlamentar, não havia do que reclamar. Quando os jornais tentaram
publicar as primeiras queixas, era tarde. Se algumas penas estavam paralisadas
pela censura, outras perderam a tinta pela covardia.
O futuro da democracia
brasileira depois de segunda-feira não permite otimismos. Como era previsível,
e já apontei aqui neste espaço, a fragilidade do golpismo de ocasião que
sustenta Michel Temer apenas começou a exibir contradições e surpresas que
devem ampliar-se ao longo do tempo, já que carregam um defeito de fábrica -- a
falta de compromisso com o voto popular e as necessidades de uma população que
será a grande prejudicada pelo pacote de medidas regressivas do ponto de vista
econômico, político e, acima de tudo, histórico.
Temer é um chefe de
governo com prazo de validade, condição que estimulará atos de infidelidade e
chantagens infinitas em seu próprio bloco de sustentação. Como se sabe, será
protegido de todas as formas até 31 de dezembro, pois até lá sua saída irá
abrir uma vaga que a Constituição determina que seja preenchida por eleições
diretas, justamente o que se quer evitar. Mas, depois de 1 de janeiro, um
eventual substituto de Temer será escolhido pelo Congresso, num pleito
indireto. Não é difícil imaginar qual a opção dos arquitetos de um golpe
promovido após quatro derrotas consecutivas nas urnas. A consolidação da
ditadura de 64 não seria possível sem a institucionalização de eleições
indiretas não só para presidente, mas governadores de Estado e prefeitos de
capital.
Para Dilma Rousseff, o
golpe representa uma catástrofe, ainda que tenha sido amenizado pela votação
que protegeu -- pelo menos! -- seus direitos políticos. A medida permite
imaginar que se tentou colocar um freio a possíveis medidas arbitrárias que o
novo governo pode executar. Também permite até que se alimente hipótese de uma
retomada na vida política, em 2018, quem sabe. Muito bem. O país só terá a
ganhar com sua voz e sua crítica, em qualquer caso. Sua experiência tem um
valor único.
Cabe uma ressalva,
porém. Ao deixar a presidência, Dilma perdeu a prerrogativa de foro. Isso quer
dizer que, daqui para a frente, terá uma imensa dificuldade para escapar das
medidas de exceção da Operação Lava Jato. Em breve, corre o risco de enfrentar uma
caçada semelhante à que é enfrentada por Lula. Não faltarão delações premiadas
nem prisões preventivas. Alguém duvida?
Esta é a questão.
Num país onde os
adversários de Lula-Dilma nunca foram capazes de uma vitória pelas urnas desde
2002, o golpe de Estado de 2016 teve causas econômicas e sociais. Mas será de
grande utilidade para ajudar Sérgio Moro a terminar o serviço.
* Paulo Moreira Leite é diretor do 247
em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão".
Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA,
IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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