Tempos complexos
* Por
Rubens da Cunha
São tempos complexos,
mas quais não foram? Talvez sejamos mais imediatistas, apenas. O atentado em
Paris, visto quase ao vivo, nos dá a impressão de que estamos mais violentos.
Fico pensando que impressão teremos quando os massacres no interior da Nigéria,
na faixa de Gaza, na Síria, ou em qualquer outro lugar menos ocidental, também
forem tratados como tragédia ou ataque à liberdade de expressão?
Assassinato é
assassinato em qualquer lugar, no entanto, algumas das vítimas merecem mais
destaque do que outras, obviamente, se as vítimas pertencerem ao sacrossanto
mundo ocidental e rico, então eles serão heróis da liberdade.
Aquela criança
assassinada pelos terroristas do exército, da religião, do tráfico, no interior
do Congo ou numa favela sul-americana qualquer, nunca será galgada ao posto de
herói. A mulher estuprada numa fronteira mexicana, romena, marroquina jamais
será mártir da liberdade. A morte anônima, negra, faminta das periferias da
China, do Paraguai, da Bolívia ou de São Paulo não entra nas estatísticas do
terrorismo, não conta para o espetáculo.
Terroristas são
somente aqueles outros lá do outro lado. Terroristas são aqueles que agridem
nossas verdades, nosso modelo “correto e democrático” de vida. Isso é o que
pensamos e defendemos, isso é o que nos torna iguais a eles: incapazes da
diferença.
Somos também
terroristas na medida em que aceitamos um modelo econômico e político cínico e
violento. Este sistema que vende para muitos compradores um modelo, um padrão,
um sonho e entrega a poucos. Esse sistema que nos faz consumidores robóticos
tanto de coisas inúteis feitas com mão de obra barata de um lugar pouco
turístico, quanto de alimentos cada vez piores, cada vez mais artificiais.
Nosso modelo é
terrorista com os índios, com os outsiders, com os imigrantes, com qualquer um
que não cumpra o modelo. Podemos não sair com bombas no corpo, ou jogar aviões
contra prédios, ou fazer chacinas em nome de Alá, mas estamos todos sendo
vítimas e carrascos nesse jogo político e econômico do capitalismo, que age no
mundo como aquela mão descrita pelo poeta: “a mão que afaga é a mesma que
apedreja.” O problema é que poucos são afagados e muitos, anonimamente,
apedrejados.
*
Poeta e escritor.
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