Entre
Jogos de Amor em Las Vegas e Machado de Assis
* Por
Evelyne Furtado
Estou em mudança.
Assim mesmo: um pé cá outro lá. Embalando objetos no atual endereço e
providenciando os últimos acertos no novo apartamento.
A mudança está entre
os primeiros fatores de estresse, atrás apenas do divórcio e da morte do
cônjuge. Passei pelo primeiro e sobrevivi, graças a Deus.
É certo que não estou
só nessa empreitada. Sylvinha, minha filha quase arquiteta cuida do projeto e
da execução. Mamãe chefia tudo e está bem cansada.
Elas trabalham bem
mais do que eu, pois fico no meio: ansiosa e meio surtada, como o tal o
"cachorro em mudança". Assim somos três mulheres á beira de um ataque
de nervos, à moda de Almodóvar.
Para relaxar cinema é
uma boa opççao. Após duas tentativas frustradas, consegui assistir Jogos de
Amor em Las Vegas. Queria rir. Queria uma comédia romântica. Queria esquecer
das caixas cheias e das que ainda tenho que encher.
Comecei a dar risadas
nos primeiros minutos do filme. Confesso que senti uma inveja danada dos
vestidos lindos no corpo de Cameron Diaz, mas o personagem é uma graça e ela
não tem culpa da minha gula.
A Vegas que vi no
filme é deslumbrante em luzes, farras e alegrias. Ashton Kutcher, o
protagonista, encheu meus olhos. Como é bonitinho, o marido de Demi More,
gente!
O roteiro feito para
divertir cumpriu seu papel e eu cheguei em casa ás 23 horas muito zen e certa
que iria dormir mais cedo.
Mal estacionei na
garagem o porteiro da noite me diz que uma pessoa muito querida de nossa
família e moradora do mesmo edifício havia sofrido um acidente em casa e estava
no hospital vizinho.
Fui correndo saber
como estava Rosinha: um anjo sem idade definida, com jeitinho de passarinho e
de uma fragilidade visível. Fiquei lá apreensiva e só adormeci depois das duas
da madrugada. Para nosso alívio Rosinha se recupera.
Acordei sem intenet.
Senti aquela sensação de desespero que todo dependente sente quando lhe falta o
vício. Liguei e briguei com o atendente do provedor.
Impotente, saí para
resolver algumas coisas. Almocei com um amigo. Fiz alguns pagamentos e vim para
casa. Hoje não tinha nada urgente para fazer á tarde e eu estava sem NET.
Meus livros já estão
encaixotados. Na mesa de cabeceira um livrinho com trechos da obra de
Shakespeare, outro sobre I Ching, o Novo Testamento, um Saramago recentemente
lido e Contos de Machado de Assis.
Descobri que não havia
lido "O Homem Célebre" de Machado. Foi, como sempre, uma experiência
mágica ler sobre o Pestana, compositor de polcas de sucesso que aspirava ser um
Beethoven, um Chopin ou um Mozart. Viveu e morreu triste por não conseguir ser mais
do que Pestana e sofreu em vão.
Ao terminar o conto,
liguei mais uma vez para "o suporte técnico". A moça disse-me para
verificar os cabos de todos os pontos da TV, uma vez que é a mesma empresa que
fornece a tv por assinatura e a banda larga.
Saí feito cega em
troteio mexendo em cada cabo dos pontos da TV e discutindo com a moça no
celular. Encerrei a ligação e vim desligar o micro conformada com a situação.
Verifiquei surpresa
que a net havia voltado e recomecei a compulsão de escrever.
17 de julho de 2007.
*
Poetisa e cronista de Natal/RN.
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