Adversário
salvador
O intelectual, principalmente se for um
artista, é, geralmente, um sujeito extremamente vaidoso e por isso bastante
sensível às críticas. Aliás, nem é necessário ostentar essa condição especial.
Pessoa alguma, mesmo que seja um poço de mediocridade, gosta de ser criticada.
Todos temos noção das nossas limitações, sejam de que natureza forem, e
procuramos preservar essas vulnerabilidades do olhar indiscreto do público.
Fazemos de tudo para que elas não sejam fatores que nos façam resvalar para o
ridículo. Mesmo sabendo, em seu íntimo, que determinado texto – em verso ou
prosa – está distante da perfeição que tanto busca, o intelectual não aceita
que outros o digam.
Alguns sequer admitem que cometem
falhas. Julgam-se – ou apenas dão a entender que se julgam – perfeitos. Dessa
maneira, afogam um talento, muitas vezes no nascedouro, em virtude de um amor
próprio exacerbado. No outro extremo, há os hipócritas. Os que se revestem de
falsa humildade, à espera de elogios dos que os rodeiam. A virtude, no entanto,
está no meio. Está em aceitar as críticas, quando estas forem pertinentes e
feitas por quem tenha autoridade para falar sobre o assunto. Mas em nunca
induzi-las. Sem se depreciar à espera de ser contestado. E nunca admitir as que
não sejam válidas.
Um leigo, que não conheça sequer o ABC
da Física, por exemplo, não tem condição alguma de criticar uma nova teoria que
esteja sendo apresentada por um especialista da área, por mais absurda que esta
pareça. Não é uma opinião abalizada que deva ser levada a sério. Da mesma
forma, um analfabeto não tem base para encontrar reparos no estilo, digamos, de
um Machado de Assis, de um Vinícius de Moraes, de um Érico Veríssimo, ou de
qualquer outro escritor consagrado, brasileiro ou não.
Critica válida, portanto, é aquela de
pessoa com conhecimento de causa para criticar. Somente isso, todavia, não
basta. É preciso que seja honesta. É necessário que aquilo que esteja sendo
criticado seja de fato um defeito. Que não haja interesses pessoais ou
antipatias por trás dos reparos feitos. Aliás, o crítico desonesto, que tenta
destruir uma obra somente por não gostar do seu autor, invariavelmente acaba se
dando mal. Ao questionar alguma coisa notoriamente de qualidade, que haja caído
no agrado público, terá seu próprio bom gosto ou tirocínio postos em questão. O
tiro sairá, com certeza, pela culatra.
Além
das características citadas, a crítica, para ser bem aceita, tem que ser feita
no momento oportuno. Nada é mais constrangedor, para não dizer irritante, do
que ser criticado após um trabalho estafante, feito em condições precárias e
cujo resultado, embora não perfeito, seja visivelmente bom. Em jornalismo temos
muito disso. Muitas vezes um leitor, atormentado por seus problemas pessoais,
liga para as redações ou para criticar o que não entende, ou para pôr reparos
em nosso estilo, ou apenas para ter um "bode expiatório" sobre o qual
descarregar suas frustrações e complexos. Raciocina – senão consciente, pelo
menos inconscientemente – que ninguém é melhor para alvo de sua raiva na maioria
dos casos indefinida e vaga, do que uma figura pública.
Acontece que esta também é humana.
Igualmente tem problemas, dores, mágoas, frustrações e momentos de ira, como
todos. Mesmo assim, se o criticado tiver cabeça, se confiar no que faz e souber
onde pretende chegar, até a crítica maldosa e ostensivamente destrutiva tende a
ser um benefício. Foi o que escreveu o filósofo Edmund Burke, ao constatar:
"Aquele que nos combate fortalece nossas energias e aguça nosso potencial.
Nosso adversário é nosso salvador".
Tive críticos ferozes, dentro de
redações de jornais, no início da minha carreira. Tenho ainda hoje outros,
talvez mais ácidos dos que os de outrora, que buscam ridicularizar o que
escrevo – o meu estilo, as minhas colocações e até mesmo a minha pessoa – com
chula ironia. No entanto, os primeiros passaram. Caíram no ostracismo,
resultado de sua mediocridade e mesquinhez. Eu sobrevivi. Corrigi os erros
verdadeiros que foram apontados e evitei de cometer os que me eram imputados,
sem que os viesse cometendo. Os críticos atuais também vão passar. De tanto
quererem fazer-me o mal, fazem-me o bem, servindo de pontos de referência, de
guias sobre o que não fazer. Parodiando Mário Quintana: "Eles
passarão...Eu passarinho..."
Orígenes Lessa, no livro "O Feijão
e o Sonho", afirma, com outras palavras, basicamente o mesmo que foi dito
por Burke: "A glória combatida é a verdadeira glória". Intelectuais
que não causam polêmica, acabam por desaparecer e por mergulhar no
esquecimento. Se não despertam inveja nos medíocres, é porque não têm talentos.
Ou são incapazes de fazê-los reluzir. O vencedor é alvo permanente de ataques
mesquinhos e de tentativas constantes de destruição. E é isso o que ressalta a
sua grandeza.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Nenhum comentário:
Postar um comentário