Foto 1 – Paulo Sérgio Schneider - Ponta Aguda –
Enchente de 1911
Foto 2 – Paulo Sérgio Schneider - Ponta Aguda –
Enchente de 2011
Ponta Aguda
* Por
Urda Alice Klueger
Eu já devia ter pelo
menos 15 anos, pois foi naquela época em que meus pais já moravam na Praia
Grande do Itapocoroy/Penha/SC, o que já faz, portanto, mais de 40 anos. Vinha
de lá para Blumenau no ônibus da Brusquense, que era a empresa de ônibus que
fazia tal trajeto então, e que já faz muito tempo que não existe mais. Sou
capaz de sentir, neste momento, o cheiro do ônibus da Brusquense, seu
sacolejar, o ranger das suas molas, o gosto dos chicletes Ploc de morango que
eu costumava mascar para não enjoar – só que naquele dia a conversa estava tão
interessante que eu não enjoei.
No primeiro banco,
estava sentada junto a uma senhora que conversava jovialmente e me dava atenção
como se eu fosse uma interessante adulta. No meu olhar adolescente era uma
senhora velha, embora sua conversa tão agradável – é que quando adolescentes,
às vezes, pensamos que todos os velhos são chatos ou tristes. Em todo o caso,
agora, penso que tinha 15 anos em 1967, época em que já fazia 56 anos desde a
enchente de 1911. Como aquela senhora deveria já ter uns 10 anos em 1911,
então, lá naquele dia do ônibus da Brusquense, ela teria pelo menos 66 anos, o
que é uma idade avançada quando mal se saiu da infância, mas que hoje se me
parece ainda tempo de tão grande juventude, principalmente quando penso que, se
tiver sorte, logo terei chegado lá, e talvez, então, continue sentindo o que
sinto hoje: que sou absolutamente jovem, mas que levo um susto danado quando
olho para o espelho e vejo a mulher velha que me espia de lá!
Mas voltemos ao velho
ônibus da Brusquense e àquela conversa onde um adulto de verdade me levava a
sério – pelo tempo que passou, aquela senhora já faleceu há muito, e talvez
somente sobreviva na memória dos seus descendentes e na minha. Meu interesse
por História foi sempre muito aguçado, e jamais esqueci o que ela me contou
naquele dia.
Aquela senhora era uma
menina em 1911, e morava num lugar que se chamava Ponta Aguda, que é o mesmo
lugar que hoje tem tal nome, em Blumenau.
- Sabe por que o nome
Ponta Aguda? – explicou-me ela. – É porque havia um morro muito pontudo,
pontiagudo, que a enchente de 1911 levou. Ali eram as terras dos meus pais, e
tínhamos lavoura e bananeiras plantadas nesse morro pontudo. Quando o rio
subiu, subiu, meu pai se lembrou de que havia esquecido uma enxada na encosta
desse morro, e tendo em vista que a água ameaçava atingir o mesmo, mandou que
eu fosse correndo buscar a ferramenta.
Eu já não lembro se
ela conseguiu buscar a enxada ou não – lembro como me contou que estava muito
próxima dessa ponta aguda quando tudo desmoronou... e o tal morro pontudo
foi-se rio abaixo. Foi uma coisa assustadora, e penso que só depois que vivi a
Catástrofe das Águas de 2008 foi que pude me identificar direito com o que
sentiu aquela menina lá do passado quando um morro inteiro foi embora diante
dos seus olhos incrédulos.
- No lugar, restou o
que hoje é a Prainha – explicou-me ela, e nunca duvidei do que ela disse.
Ao longo da minha vida
já vi a Prainha, em Blumenau, tomar diversos formatos depois de grandes
enchentes, como o de quase um Saara de areia branca que aterrou tudo em 1983.
Por que não teria sido ali, no passado, um morro pontudo? Por que teria me
mentido aquela senhora tão simpática cujo nome eu deixei fugir no tempo, mas
cuja história nunca esqueci? Era tão vívida a lembrança daquilo tudo, dentro
dela...
Dentro de mim ficou
explicado porque a Ponta Aguda se chama Ponta Aguda. Achei que deveria contar.
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e quatro livros (o 24º
lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez
edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).
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