Sonho olímpico
* Por
Marcelo Sguassábia
"O
melhor emprego do mundo: salva-vidas da Olimpíada tem visão privilegiada.
Uma
lei estadual que determina que todas as piscinas do Rio tenham um salva-vidas
criou um posto incomum na história olímpica. Além de não ter muito o que fazer,
o salva-vidas tem a melhor vista da competição" (Folha de S. Paulo, 2 de
agosto de 2016).
O que ele mais
desejava na vida era também o sonho de quase todo descendente de Adão: ter um
emprego com garantia absoluta de não precisar trabalhar. E conseguiu. Só por
alguns dias, mas conseguiu.
Juntando os
aquecimentos, os treinos, as etapas classificatórias e as provas propriamente
ditas, eram horas e mais horas ao dia de proveitoso ócio ao abrigo do sol,
deixando a mente fluir por onde bem entendesse e descartando definitivamente a
possibilidade de precisar pular na água para livrar o Phelps e outros golfinhos
humanos do afogamento.
Foi fácil se acostumar
ao dolce far niente e a não querer jamais outra coisa. Bebida, só pedir.
Comida, idem. Aborrecimento, nenhum. Cansaço, nem pensar. Quem tinha que
trabalhar duro e romper os limites da própria carcaça e dos adversários eram
aqueles infelizes ali, curtidos em cloro. Sobrava ócio até para meditação
transcendental. As idas e vindas dos nadadores, de uma ponta a outra da
piscina, funcionavam como um mantra quase hipnótico. Mas tinha que se policiar
para não fechar os olhos, pois aí seria demais - alguém poderia acusá-lo de
negligência no exercício da profissão.
Como nenhuma água é
tranquila para sempre, de uma hora para outra o nosso folgado guardião tombou
para trás. Alguns membros do staff olímpico acharam que tinha, enfim, sido
vencido pelo sono. Mas a coisa mudou de figura quando um espesso cordão de
sangue vazou pela caixa craniana fraturada. Bala perdida. Morte instantânea em
uma das provas de classificação mais disputadas - a dos 50 nado livre. Não era
a competição final, mas estava sendo televisionada. O corre-corre chamou a
atenção dos nadadores, que lançaram-se quase ao mesmo tempo fora d'água para
tentar dar salvação ao salva-vidas, numa surreal e trágica inversão de papéis.
Expectadores, juízes, repórteres, preparadores físicos - todos cercando a
vítima feito baratas tontas, sem saber se acreditavam na versão carioca da bala
perdida ou na versão terrorista da bala certeira.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
O horrível do horrível. Será que o Brasil tem jeito?
ResponderExcluir