Girar e rodopiar...
* Por
Maria Eugênia Amaral
Há quem observe
estrelas, planetas e satélites. Por vezes quero vê-los, mas sou mais ligada a
coisas terrenas, desde as menos descomunais até as bem pequenininhas. Nunca
olhei em um telescópio, mas microscópios já usei vários. Quando menina, com uns
sete anos, levaram-me a uma universidade e, em um laboratório de pesquisa, vi a
vida como sempre me pareceu ser: repleta de movimento. Só que o movimento que
me mostraram, incessante e surpreendente, vinha de uma planta! Uma pequena
folha de Elodea ― planta aquática muito utilizada em aquários ― foi colhida da
água em minha frente, colocada em uma lâmina de vidro e posicionada sob o
microscópio, onde, sem truques nem mágica, aquela folhinha converteu-se em um
piso de tijolinhos transparentes em que milhares de bolinhas verdes rodopiavam
sem cessar. Incrédula, pedi para ver outra folha, que eu mesma arranquei. E o
balé se repetiu. Havia vida naquela planta estática, que até então parecia
obedecer só ao movimento da água. E era uma vida bem agitada. Nem preciso dizer
que nunca mais olhei para gramas, arbustos, árvores e flores, com o mesmo
olhar. (Ao voltar para casa, cheguei a fazer um funeral para uma violeta
morta...)
Fui crescendo e
percebi que a vida gosta de agitos. A ausência de movimento é morte. Tudo no
universo gira, como se dançasse uma valsa, ou rodopia em espiral, como que
trançando fitas em um poste de festa de São João. Os biólogos, os físicos e os
astrônomos já nos mostraram que, do micro ao macro, sempre existe algo que se
move: elétrons ao redor do núcleo atômico, luas em torno de seus planetas e
planetas dando voltas em estrelas. Alguns movimentos, como a luz e o som, são
perceptíveis a nossos sentidos; outros não. São giros, oscilações, órbitas,
pulsos, ondas: uma infinidade de termos para diferentes estilos de dança.
Mas me parece que
nenhum movimento tem mais ritmo que a vida. Até nosso coração, quando bate
descompassado, entra em arritmia. E no meio de tanto encantamento ainda existem
pessoas (e, assustadoramente, cada vez mais) que, ditas racionais, não
respeitam a vida. São as que deixam barragens de lama romperem e matam por
omissão; as que treinam para serem defensoras de determinada fé e matam por
opção (para ganhar o paraíso!). Acho que esses assassinos, fanáticos religiosos
ou não, nunca brincaram de roda. Tristes crianças adultas que só sabem brincar
de descaso e ódio: as únicas brincadeiras que conheço que não têm riso, giro e
nem rodopio; só descompasso, arritmia. E assim terminam, levando consigo a
impressão de que viveram um dia.
[FONTE DA IMAGEM:
Escultura de Sandra Guinle. “Ciranda mista”, 2003]
*
Escritora
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