“Entre por essa porta agora, e diga que me adora,
você tem meia hora, pra mudar a minha vida” (Vambora, Adriana Calcanhoto)
* Por
Mara Narciso
Desde seu sucesso
nacional “Mentiras” – “nada ficou no lugar, eu quero quebrar essas xícaras...” –
que me despertei para a delicadeza da voz e da poesia de Adriana Calcanhoto,
uma mulher de pele clara, olhos azuis, linda e forte, ainda que tenha voz
aparentemente frágil. Ficava ouvindo seu CD Perfil com a seleção de suas
principais músicas, imaginando o seu amor, a sua paixão, visualizando sua
narrativa poética, seu cenário, sua vida. A minha preferida é esta do título em
que ela dá um ultimato ao fruto da sua paixão que, ao que parece, quase não
aparece, pois diz “vem, vambora, que o que você demora, é o tempo que leva”. E
continua a me comover como da primeira vez.
Alguns anos depois de
me tornar fã, soube que Adriana Calcanhoto não tinha um namorado e sim uma
namorada. Com a revelação, senti as minhas imagens ruírem. Fora o amor,
sentimento verdadeiro, tudo que imaginei era falso. O que fiz? Coloquei o CD
para tocar e a cada verso, passei a imaginar não o namorado, mas a namorada.
Assim, tudo voltou ao seu lugar. Também soube, recentemente, que a namorada de
Adriana tinha partido, desta vez, para sempre. Quando o amor perde, eu perco
também. Fiquei sensibilizada com essa perda, li sobre seu sofrimento, e o
entendi, pois todos já vivemos um adeus definitivo.
Após a leitura do
livro “Amor do princípio ao fim”, em que Glorinha Mameluque narra a doença e a
longa despedida do seu marido Pedro Mameluque, fui escrever um comentário. Como
Glorinha cita trechos poéticos da literatura, da música e da Bíblia, referente
a despedidas, eu, imitando-a, coloquei como título o verso final da música
“Naquela Estação” que fez relativo sucesso na voz de Adriana Calcanhoto: “E o
meu coração, embora finja fazer mil viagens, fica batendo parado naquela
estação”. Não bastou. Levei o CD para o carro e a ouvi durante muitos dias.
Estava, pois, impregnada pelo sentimento do fim na voz suave da cantora. O amor
e a morte são as nossas profundezas emocionais, e elas estavam todas ali.
A Festa Literária
Internacional de Paraty reserva prazeres inesperados, e a Casa Folha é um dos
seus palcos. Após um dia exaustivo de mesas de discussão e palestras de manhã
até a noite, parto para lá com uma amiga, Felicidade Patrocínio, largando para
trás a Tenda dos Autores. Na porta tem gratuito o jornal Folha de São Paulo,
dou uma espiada, recebo duas fichas que dão direito a duas taças de vinho, vejo
a movimentação de três rapazes que passam o som, encosto-me num dos armários,
colocando no chão minha sacola de livros, e espero. O trio, o mesmo do ano
passado, sobe no pequeno tablado e começa a tocar. Imitando o meu filho, mal
terminam a primeira música, para provocá-los, eu grito: toca Raul! Estou tão perto, que ouço o crooner
queixar-se para o baixista: “a gente ensaia tanta coisa e pedem para a gente
tocar Raul”. Após outras músicas, é cedo ainda, a casa nem está tão cheia, com
público bebendo e comendo salgadinho de pacote, o cantor Moreira Júnior anuncia
Adriana Calcanhoto, que atravessa o pequeno recinto, dirige-se para o tablado
exíguo, coloca a correia da guitarra no pescoço, e num esforço, esquecendo
parte da letra, canta “Vambora”. Nessa movimentação, eu fico a meio metro dela,
tirando fotos e cantando, sendo que, ao final, peço a amiga para me fotografar,
coisa que quase todos fazem, simultaneamente. Terminada a música, aplausos e
pedido de mais um, porém ela não atende ao apelo popular, tira o instrumento
musical por sobre a camisa de seda preta, e, dizendo “estou de férias”, desce e
sai.
A sua rápida aparição
foi mágica para mim, pois estava imersa em sua voz e poesia, desde dias antes,
ficando imagens de uma cantora inesquecível. Palavra de fã.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Também sou fã da Adriana. Um talento raro e possuidora de uma cultura vastíssima - qualidade que nem todos os seus fãs conhecem.
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