Ficção
mesclada à realidade
O romance contemporâneo tem uma característica que me agrada
bastante, já que sou jornalista por profissão (e por opção): a mistura de fatos
reais com ficção, com a imaginação do romancista complementando a
realidade. Muitos enredos podem parecer,
até, aos desavisados, como uma boa reportagem, posto que mais dinâmica, por
conta dos diálogos entre os protagonistas, de tão realistas (e verossímeis) que
são. Alguns escritores chegam ao requinte de misturar não somente fatos e
cenários reais aos fictícios, como até personagens de carne e osso com outros
que existem somente em suas cabeças. Quando isso é feito com talento e
criatividade, o resultado, via de regra, é um best-seller, que vale ao autor
não somente copiosa quantidade de dólares (ou de euros, a moeda da moda) em sua
conta bancária, mas muitos e muitos prêmios internacionais.
É o caso, por exemplo, do romance “Deixe o grande mundo
girar”, do irlandês, radicado em Nova York, Colum McCann, livro que valeu ao
autor o cobiçadíssimo prêmio literário National Book Award 2009, um dos mais
prestigiosos e cobiçados de todos os que existem. Esta obra foi relacionada,
pelo site UOL como um dos dez principais lançamentos editoriais de 2010
(indicação com a qual concordo sem pestanejar). No Brasil, coube à Editora
Record presentear os amantes das letras com uma edição primorosa e bem cuidada,
que teve tradução perfeita de Maria José Silveira.
Colum McCann é um dos maiores talentos mundiais da nova
geração de romancistas. Aos 50 anos de idade (nasceu em Dublin, na República da
Irlanda, ou Eire, como queiram, em 1965), já conquistou fama, respeito,
dinheiro, credibilidade e muitos prêmios internacionais. Considero-o jovem, já
que tem idade para ser meu filho. Para que vocês tenham uma idéia, quando ele
nasceu, eu já estava trabalhando, com carteira assinada, há cinco anos. Para
mim, portanto, é um menino. E que menino prodigioso!
O grande lance da sua vida foi o fato de mudar-se para Nova
York que, mais do que cenário para seus romances, se tornou, praticamente,
“personagem” de suas sumamente verossímeis histórias, com cara e jeito de
reportagens. Essa mudança ocorreu em 1983, cerca de seis meses antes dele
completar dezoito anos de idade. Atuava, na época, como repórter, com salário,
conforme confessa, “vil, abaixo da linha da miséria”. Tudo mudou quando
conseguiu publicar seu primeiro livro. Desde então, acumula sucesso sobre
sucesso, e em 30 idiomas, o que não é brincadeira. Além de se dedicar
atualmente à literatura, escreve para vários prestigiosos jornais, do porte do
The New Yorker, do The New York Times Magazine, do The Atlantic Monthly e do
The Paris Review, entre outros.
Como afirmei no início deste comentário, o romance “Deixe o
grande mundo girar” mistura ficção com realidade, mas ambas tão bem tecidas que
se torna quase impossível distinguir uma da outra. McCann aborda, por exemplo,
a aventura do equilibrista francês Phillipe Petit. Esse maluco de pedra (ou
seria suicida em potencial?), cismou, em um determinado dia de agosto de 1974
de brincar nas alturas, nas torres gêmeas do há quinze anos arrasado World
Trade Center. Estendeu uma corda-bamba no 110º andar de um prédio a outro e,
por 50 intermináveis minutos, “passeou” por sobre o abismo, desafiando, de
peito aberto, a morte. Mas os malucos têm sorte!
Claro que a maluquice do francês causou o maior reboliço na
Big Apple! O equilibrista, todavia, é apenas um personagem, e ainda por cima
ocasional (não o principal, portanto) do romance. Como é meu costume, não resumirei
o enredo, para não tirar o gosto da surpresa do leitor. Mas reproduzo este
trecho da resenha feita por Ana Rocha desta tão bem contada história: “Soldados
não voltando do Vietnã, famílias desoladas tendo que refazer seus caminhos. Os
subúrbios da cidade e a falta de esperança no futuro. A dor que une a todos e
possibilita novos caminhos. E o equilibrista arriscando a própria vida só para
poder cruzar as maiores torres do mundo. Histórias que a princípio não têm
nenhuma conexão, acabam se revelando parte de uma mesma efervescente Nova
York”.
Mas o que mais me fascina em “Deixe o grande mundo girar” é
a perícia, a capacidade descritiva de Colum McCann. Ele “pinta”, com palavras,
os cenários à perfeição e a gente nem precisa fazer qualquer exercício de imaginação
para “visualizá-los”. Na edição lançada pela Editora Record, méritos têm que
ser dados para a tradutora Maria José Silveira, que reproduziu com rara
competência as magníficas descrições do autor.
Para que vocês não achem que estou exagerando (o que às
vezes ocorre comigo quando gosto de algum escritor), confiram por si mesmos,
neste trecho que reproduzo, a título de amostra, o porque do meu entusiasmo por
este romance: “Ao redor dos observadores, a cidade ainda fazia seus barulhos
cotidianos. Buzinas de carros. Caminhões de lixo. Apito das barcas. O zumbido
do metrô. O ônibus M22 avançou contra a calçada, freou, murchou em um buraco.
Uma embalagem de chocolate jogada fora bateu em um hidrante. Portas de táxi
batiam. Pedaços de lixo se enfiavam nos cantos mais escuros das passagens.
Tênis se acomodavam. O couro das pastas roçava na perna das calças. Algumas
pontas de guarda-chuvas tiniam no calçamento. Portas giratórias empurravam
conversas entrecortadas para a rua”.
Por esta pequena amostra, dá para o leitor concluir,
portanto, que não há nenhum exagero no meu entusiasmo (ou há?). Colum McCann é,
de fato, um prodígio. E não fui somente eu que cheguei a essa óbvia conclusão,
mas foram, também, os jurados do National Book Award, que lhe atribuíram o prêmio
de 2009. E digo mais, não ficarei nada, nada surpreso se o próximo passo for a
conquista do Nobel de Literatura.
Boa leitura.
O Editor.
Seu entusiasmo é verdadeiro e isso é estimulante.
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