domingo, 6 de março de 2016

As funções do livro


* Por Harry Wiese


O livro, nos seus mais diversos tamanhos e formas, tem inúmeras funções. Assim dizem os escritores, os mestres e os leitores comportados. É bom que seja assim. Faz refletir, analisar e interpretar. Em suma, são antídotos das doenças do cérebro: mal de Alzheimer, estresse e preguiça. Mas eu não sou médico e não vou me aventurar a exibir conhecimentos de medicina, sob pena de poder ser acusado de exercício ilegal de profissão.

O livro, agora como sinônimo de literatura, possui valores próprios, não precisa colocar-se a serviço da moral ou da filosofia, embora se saiba que, até há pouco tempo, fosse atribuída à arte da palavra escrita, uma finalidade pedagógica e moralista.

Desta forma, na minha ingênua maneira de pensar, o livro e a literatura possuem uma infinidade de funções. Sem a literatura, não existiria o encanto e nem a tortura em razão dela. Está claro: ou o texto encanta, ou tortura.  

Os que se encantam com o livro bem escrito, com o texto elaborado com arte, sabem que a literatura repassa múltiplos conteúdos. É a função do reconhecimento. Funciona como elemento revelador da verdade oculta sob as aparências. É também a função da descoberta. Enfim, esta função está centrada na mensagem transmitida. É por isso que existe o pensamento: “Quem lê sabe mais!” É pena que haja tantas pessoas que não querem saber um pouco além do senso comum. Mas esta é uma outra história. Permanecer em estado de ignorância também é um direito humano e precisa ser respeitado.

Mas se você pensa que tudo isso é muito complicado, mantenha a calma. O livro também tem função lúdica. É brinquedo, diversão, entretenimento, jogo, distração e despertar de emoções agradáveis. Vi isto outro dia, em uma turma de Educação Infantil, com crianças de até dois anos de idade. Os livros espalhados no chão da sala de aula eram uma festa para a petizada. Maravilha! Aí se encaixa a expressão: “É de pequenino que se torce o pepino”! Se a leitura lhe parece pesada, brinque com os livros, assim como fazem as crianças do Centro de Educação Infantil Ruth Schlei, a popular creche do Ponto Chic!

E assim vai. É uma função atrás de outra. A pragmática ou social trabalha a ética, a prática, o engajamento, a denúncia e a crítica. Tem como objetivo convencer, atrair adeptos, ensinar e difundir valores. Há ainda a função sincrônica, que, restaura o passado e permite recriar emoções.

Você sabia que existe a função purificadora? Pois é, o livro dá alívio às tensões do dia-a-dia. Esta função tem uma longa tradição. Aristóteles, no século IV a.C, já a apontava na Poética. Tem como objetivo: a compensação, a terapêutica e a transposição da personalidade.

E ainda tem a função perenizadora. É algo perene. Assim, a literatura é a ânsia de imortalidade, é o desejo de sobreviver ao tempo, perenizar-se, eternizar-se. É o desejo de todo ser humano de extrapolar o seu limite espaço-temporal. Em outras palavras é querer ter várias vidas. O objetivo desta função é o desejo de reconhecimento. E isto não é fácil!

Já vou concluir, mas eu não poderia deixar de escrever sobre a função “arte pela arte”. O livro é um fim em si mesmo. É o alheamento dos problemas sociais. É a arte que busca a beleza, sem emoção. Busca a forma perfeita, versos perfeitos, rimas perfeitas, estrofes simétricas e palavras raras. É o texto dos parnasianos de ontem e de hoje.

Meus caros leitores, quanto mais penso, mais funções do livro e do texto se desfolham da minha mente. Ainda existe a função do escape, a construtiva, a destrutiva, a ausente, a prodígio e o escambau.

Ah, quase ia esquecendo. Quando visitei o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, logo ali na Estação da Luz, e veja em que lugar construíram esse monumento maravilhoso! Entre tantas preciosidades ali existentes, fui ver a exposição da escritora naturalizada brasileira, nascida em Tchechelnik, em uma aldeia da Ucrânia, a nossa querida Clarice Lispector. Lá, havia uma enorme repartição só para ela. E ainda é pouco! Na sala, havia um móvel com centenas de gavetas, muito pequeninhas, do chão até o teto, e em cada uma delas existia uma surpresa: ou um documento da escritora, ou um recorte de jornal, ou uma fotografia, ou uma caneta tinteiro com que autografou o primeiro livro, etc. E tudo muito bem iluminado com uma luzinha em cada repartição. Em dado momento, abri uma gaveta e lá estava o livro “Perto do coração selvagem”, um raro exemplar da primeira edição, de 1944.

Tomado pela emoção, quando ia colocar a mão na preciosidade, para manipular essa curiosidade e essência literária, para ver tudo de perto, eis o aviso breve e seco: “É proibido tocar”! Então, entre a decepção e a compreensão que o momento exigia, eu aprendi uma nova função dos livros. Em certos momentos e circunstâncias, eles existem somente para serem apreciados, olhados, nada mais! E isto também é literatura, mesmo que seja difícil de ser aprendido!

Ah, não se esqueça! Quem lê sabe mais e viaja para os mais inusitados lugares! Seja um leitor para o seu bem e para o bem da humanidade!

* Poeta, escritor e professor, autor dos livros “Meu canto-amar”; “Girata de espantos”; “Nebulosa de amor”: “Contos e poemas de Natal”; “A sétima caverna”,”De Neu-Zürich a Presidente Getúlio: uma história de sucesso”; “A inserção da língua portuguesa na Colônia Hammonia”: “Terra da fartura: história da colonização de Ibirama”: “Teoria da Literatura”: “IbirAMARes e outros poemas” e “A história das árvores-homens e outras crônicas”. wiese@ibnet.com.br e www.harrywiese.pro.br



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