A caneta
* Por
Alberto Cohen
Acordou sem saber, de
imediato, onde estava. Aos poucos foi percebendo os detalhes, a penumbra, a
televisão que chiava num canal fora do ar, o tapete em que derrubara o
cinzeiro, o sofá onde cochilara. Jamais a sala do apartamento pareceu tão
grande e hostil.
Uma idéia ridícula que
só poderia ocorrer àquela hora da madrugada, mas que para ele adquiria
contornos de grande seriedade e indagação social, tomou conta de sua mente,
ainda sonolenta: No meio dos sem-terra, sem-teto, sem-trabalho, enfim, de
tantos sem, imagine-se o escândalo que seria o aparecimento repentino de alguém
como ele, com uma existência vazia, uma sala imensa e inútil, uma tv 42
polegadas, tela plana, fora do ar, uma grande idéia jamais concluída, uma
caneta esferográfica... Nesse ponto, procurou a caneta nos dedos e, não a
encontrando, começou a vasculhar o pequeno território que, ultimamente, era seu
centro de referência: sofá, mesa lateral, estante, tapete... Nada! Onde diabos
havia se metido a maldita?
Encheu-se de
importância, como se o mundo dependesse de seus escritos cada vez mais raros e
esbravejou, mentalmente, contra aquelas forças que o impediam de cravar no
papel imagens definitivas.
Inopinadamente veio a
pergunta: e se achasse a caneta? Antes de cochilar havia tentado, horas a fio,
escrever algo original, ou nem tão original, sem o menor sucesso.
Dignamente,
levantou-se, recolheu o maço de cigarros, outros trastes pessoais e foi dormir.
A ser um sem-idéias,
preferiu, estrategicamente, ser um sem-caneta.
*
Poeta e cronista paraense
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