51 anos da morte de Nat King Cole
* Por
Urariano Mota
No romance O Filho
Renegado de Deus, eu já havia observado:
“Aquelas canções, se
não eram a pátria do socialismo, a terra prometida da fraternidade, eram de um
reino onde cabiam todos os humanos, sem data na sua data, de raça mas sem raça,
americana mas sem americano, vale dizer, a música que nascida naquela podre
sociedade e tempo não era só daquela sociedade e tempo. Pois o que, recordava,
podia superar a voz de Nat King Cole em Blue Gardenia ou Stardust? Ali ninguém
precisava falar inglês, ali eram todas as línguas, todas as pátrias, todas as
cores, do arregalado olho negro ao apertado amarelo“.
Fora do romance, para
mim, Nat King Cole foi um dos melhores cantores de música popular. Não digo o
melhor porque me acompanho todos os dias agora, me abrigo e me fortaleço na voz
amadíssima de Ella Fitzgerald. Então, que ele seja um dos melhores. Parece
mentira, mas Nat King Cole era tão bom intérprete, que cantava em espanhol e
português sem saber uma só palavra, somente pela reprodução dos sons da língua.
Foi com ele, e a sua voz, que o recifense Antônio Maria ganhou fama mundial com
a música Ninguém me Ama. Lembro sem consulta um disco em espanhol em que ele
nos encanta com Cachito e aquela canção cheia de graça chamada Adelita, que um
amigo gaúcho uma vez me contou ser a preferida em sua cidade, em Sarandi, no interior
do Rio Grande do Sul.
Toda uma geração,
minha, dos meus amigos, ficávamos hipnotizados por Nat King Cole nos cinemas de
subúrbio, no Olympia ou no Cine Império. Antes do filme começar, a sua
entonação, voz, afinação e música eram tão boas, que a gente nem se lembrava
muito da hora do filme, na matinê dos domingos. Nesta manhã em que escrevo me
chega a voz de Nat King Cole cantando como naqueles anos, na tela do Cine
Olímpia, do Cinema Império. Ouço Nat arremedando o espanhol “adios, mariquita
linda”
Então não sabíamos que
aquele era um dos melhores cantores do mundo. Pensávamos que fosse somente o
maior do subúrbio de Água Fria. Depois,
na maturidade, Nat reconquistou todos os seus direitos de cidadão e grande artista,
quando sobre ele peguei um documentário na Classic Vídeo, lá na Torre. No
filme, Harry Belafonte e Frank Sinatra falavam dele coisas que eu não percebia,
por ser leigo. Por exemplo, Sinatra contava que não havia no mundo quem pusesse
a voz no começo e no meio de uma canção como Nat. Isso queria dizer: como Nat
King Cole era também exímio pianista, ele punha a voz como um novo acorde do
piano, no começo ou durante, e a canção não sofria descontinuidade.
Era uma harmonia só.
Nesse documentário
pude ver coisas tristes também, como o golpe baixo que o gênio da música sofreu
ao morar em um bairro branco, único negro no lugar, e teve seu cachorro de
estimação morto pelos racistas. Então, agora, procuramos um derivativo, como se
a voz de Nat King Cole fosse uma solução, como se a sua interpretação e voz
resolvessem o insolúvel, porque podemos todos ter um amargo que se torna suave.
Como em Blue Gardenia, aqui.
“Blue
Gardenia
Now
blue I'm alone with you
And
I am oh so blue
She
has tossed us aside
And
like you, gardenia
Once
I was near her heart
After
the teardrops start
Where
are teardrops to hide
I
lived for an hour
What
more can I tell
Love
bloomed like a flower
Then
the petals fell
Blue
gardenia”
Fica dele, acima do
crime do racismo, como uma superação da escória humana, a sua divina
interpretação em Stardust, que para mim antecipa o que pode ser o homem, no
magnífico da sua bondade.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Um brilho em todos os quadrantes e cores.
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