Brasil desmamado
* Por
Mara Narciso
Exagero dizer que o
Brasil amanheceu de luto no dia 17 de dezembro de 2015. Não, nada disso, apenas
perdeu a mãe nutridora, amanhecendo sem a teta gorda a qual estava acostumado a
se comunicar, dar e receber e, consequentemente, a se nutrir. Cada época com
seu hábito e este chegou viciando todo mundo, exceto alguns poucos renitentes.
O balão verde com o telefone tornou-se o ícone mais visitado. A chamada linha
direta nunca esteve tão direta. Um telefonema poderia não ser atendido, mas a
mensagem pode ser vista discretamente em qualquer momento ou lugar. Uma
espiadinha, furtiva, e pronto, já se sabe o que aconteceu. Rapidamente as
pessoas se renderam aos apelos do WhatsApp. Quem o rejeitou devido ao irritante
barulho da chegada de mensagem, colocou-o no silencioso. E foi ser feliz.
Muitas
confraternizações de fim de ano não seriam possíveis sem essa importante
ferramenta de comunicação ágil, fácil e barata (até o momento sem nenhuma
cobrança, estando popularizada há mais de dois anos). Grupos de famílias,
colegas de profissão, vizinhos, amigos, colegas de escola e ex-colegas lotaram
a área. Muitas agendas de trabalho passaram a se municiar pelo WhatsApp. Além
da habitual lista de contatos, alguém monta o grupo e um vai passando o
telefone do outro até todos ou quase todos serem lembrados e adicionados – a
palavra mágica. Num trabalho de mosqueteiros, um por todos e todos por um, o
fenômeno ultrapassou as comportas e assustou o mais tímido usuário. O sistema
popularizou-se de tal forma, que a palavra mensagem foi substituída pelo nome
da rede social ou seu apelido “zap”.
A velocidade com a
qual a informação e a desinformação correm pela rede atingiu níveis
inimagináveis. Sem nenhuma censura ou moderação, tudo pode ser dito, ouvido,
escrito e visto, algumas vezes de maneira irresponsável. A liberdade encantou os usuários e na rede
circulam todo tipo de foto, vídeo, áudio e mensagem. O melhor da festa não é
ver os amigos, comer ou beber, é fazer a selfie para colocar no WhatsApp. A
preocupação e a profusão de fotos são tão altas que se esquece até de comer,
pois não se tiram os olhos da tela, sendo, algumas vezes, necessário baixar uma
portaria proibindo ou até confiscando os aparelhos. Desde então surgiu uma nova
maneira de contar papo: a festa estava tão boa que ninguém se lembrou do
celular e nem tirou foto.
Antigamente os
vendedores de amendoim nos barzinhos a beira-mar colocavam um punhado de
amendoim torrado sobre a mesa, ao lado de quem bebia cerveja. Minutos depois
passavam oferecendo seu produto, e a maioria dos bebedores comprava. Isso
também se deu com a rede social. Devido a drástica redução de telefonemas e
quase morte do torpedo ou SMS, as operadoras de telefonia entraram na justiça
para suspender o serviço do WhatsApp. No dia 16 de dezembro de 2015 conseguiram
uma liminar que, a partir de meia noite, emudeceu os aparelhos. Como dizia uma
música antiga, “467723 ocupado outra vez”.
Na noite anterior só
se falou nisso no Facebook. Muitos esperavam que algum juiz derrubasse a
liminar, mas tal não ocorreu. Três horas antes da zero hora, o serviço já
funcionava de forma precária, com mensagens que não chegavam ao seu destino. No
momento crucial, a choradeira começou. O Brasil dormiu mudo sem o barulho
tradicional da chegada de mensagens, e acordou cego sem os milhares de
comunicados que ficaram na cabeça e ponta dos dedos, lá do outro lado. O que
fazer com tantas falas não faladas, com tanto afeto não derramado, ou com tanto
ódio não destilado?
Nas próximas horas é
aprender a lidar com a abstinência da droga, com o mal estar, com a dor de
cabeça, inquietude e o cacoete de a toda hora passar os dedos na tela em busca
de mensagens. O Facebook antes esvaziado nas doze horas que prevaleceu o veto
se encheu de desaparecidos, e o telefone voltou a sua função original:
telefonar. Foi fogo de palha. Logo voltou à normalidade.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
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