Um passeio pela História do Brasil
* Por
Américo Jacobina Lacombe
Vamos iniciar um
estudo sumário de nosso Império, longo período de 67 anos (coisa que no nosso
hemisfério é espantosa e merece este adjetivo longo). Foi durante esse período
que o Brasil adquiriu ou fixou alguns traços característicos de sua fisionomia
política e social. Não será desinteressante, se conseguirmos apreender a origem
de algumas destas virtudes ou defeitos.
Devemos começar pelo
estudo dos dois imperadores. O regime, por mais que se queira complicar, é
sempre - mais ou menos - o seu chefe. Numa monarquia - em que a pessoa desse
chefe “era inviolável e sagrada”, na fórmula constitucional, - e num povo
naturalmente dócil e entusiasta, como o brasileiro - o prestígio e a influência
do chefe eram incontrastáveis.
O primeiro imperador,
já vimos por um retrato moral fidelíssimo, de autoria de Mrs. Graham, era
dotado das mais altas e nobres qualidades, mas sem estarem polidas, quer pela
experiência quer pela educação. Em todos os grandes momentos de seu reinado
portou-se com uma nobreza e um desprendimento excepcionais. Mas, no quotidiano
do governo, seu temperamento fundamentalmente autoritário e vulcânico não se
afez às funções restritas do reinar do regime constitucional. De sua queda,
após um longo declínio na popularidade, ficou, no espírito público, uma
incompreensão que só recentemente se está desfazendo. De sua queda, após um
longo declínio na popularidade, ficou, no espírito público, uma incompreensão
que só recentemente se está desfazendo. Quando em 1862 se inaugurou a estátua
que se ergue na Praça Tiradentes, muitos brasileiros julgaram incompatível com
o brio nacionalista, homenagear o que tão injustamente qualificaram: “a mentira
de bronze”.
José Bonifácio de
Andrada e Silva, um dos homens mais sábios do tempo, e que o conhecera tão
intimamente, sofrera-lhe as asperezas do temperamento e curtira, por ordem sua,
longo e aborrecido exílio, após haver dele dito coisas bem pouco amáveis, com
ele se reconciliou de maneira completa, tão completa que não hesitou em pregar
a sua volta ao trono brasileiro, para salvar a nação da anarquia em que se
despenhava na regência. Não poderá haver mais eloqüente testemunho de sua
superioridade.
O filho era, em tudo,
a antítese do pai. Era, exatamente o homem das virtudes da continuidade e da
perseverança, das qualidades discretas e que acabam por surgir e brilhar
iniludivelmente através do tempo. Menino triste, criado sem nenhum contato com
qualquer membro das numerosas casas reais a que pertencia - e eram as maiores e
mais importantes – guardou sempre, por toda a vida, um tom meio desconfiado de
sua situação de superioridade perante a sociedade. Naturalmente belo e
distinto, com uma majestade natural que impressionou a todos que com ele tiveram
contato, nunca se preocupou com a propaganda do regime que encarnava sozinho
entre nós. Nem sequer em resguardá-lo. Timbrou em não ter cortesãos, nem
panegiristas oficiais. Chegou ao estremo de se declarar admirador da forma
republicana dos Estados-Unidos do que nas monarquias européias, em que
desagradava os crentes da etiqueta e do extremismo monárquico. Chegou a ter
votos para presidente dos Estados-Unidos. Numa fé de ofício, por ele escrita,
curioso documento publicado após sua morte, há referências, aliás exatíssimas,
a todos os problemas administrativos e políticos do Brasil; não há uma palavra
sequer sobre a forma de governo ou sobre a dinastia. Essa atitude terá sido
favorável à conservação da singularidade da forma na América, ou terá sido
fatal à sua manutenção? Parece-nos cedo para um julgamento definitivo. A
verdade é que sob esse regime evitamos a instabilidade e as revoluções. Não
foram elas uma mal privativo das repúblicas americanas, que realmente tanto
sofreram com a crise da autoridade. Foi um mal do tempo. A França, no espaço de
um século, mudou dez vezes de governo.
Mesmo a grande
república do norte não conseguiu resolver o problema abolicionista sem a maior
das guerras civis do mundo.
Nós gozamos quase meio
século de ordem, de paz. Resolvemos os mesmos problemas sem lutas. Permitam-nos
que nos orgulhemos de nossa solução e de nossos homens. Durante o regime
imperial, veio a dizer muitos anos após um grande estadista da República “o
país cresceu enormemente”. E comenta: “Pela ação do Imperador? Não. Pelo
desenvolvimento espontâneo da nossa nacionalidade, mas, sem dúvida nenhuma,
debaixo da influência e com a colaboração ativa do Imperador.
Constitucionalmente, essa colaboração não era nada exemplar.
Politicamente, errou
muito, mas, social e nacionalmente, foi um alto padrão de moralidade, um fanal
penetrante que brilhava dos cimos do poder, exercendo, com a vigilância da sua
luz, quer sobre a administração, quer sobre o estado geral dos costumes, uma
ação incalculavelmente saneadora. Sem algumas virtudes notáveis não seria
possível exercitar função tão útil” (Rui Barbosa).
(Trecho de “Um Passeio
Pela História do Brasil” - Quatro conferências proferidas na SOCIEDADE
BRASILEIRA DE CULTURA INGLESA, em 1942 por Américo Jacobina Lacombe).
*
Professor e historiador, membro da Academia Brasileira de Letras.
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