Um grande dia
* Por
Ana Deliberador
Maio de 1930.
Chovia tanto que parecia que o céu vinha abaixo. Tudo alagado:
quintais, ruas, casas…
O rio rugia, mesmo à distância.
Adelina, no entanto, nada enxergava à sua volta. Hoje seria o dia
mais feliz da sua vida: finalmente iria se casar com Amâncio.
Pulou da cama, correu para o banho. A água da bacia já estava
temperada: nem quente, nem fria.
Lavou-se caprichosamente, vestiu a roupa de baixo, de renda, o
saiote de arame e alpaca e, finalmente, o lindo vestido. Tudo branco.
Olhou-se no espelhinho pendurado no prego: estava deslumbrante!
Mal acabara de se aprontar, ouviu o chamado na porta. O noivo, as
testemunhas e o seu João Pereira – que iria dirigir o pé-de-bode* até
Sertanópolis já que, com aquela chuva, o juiz de paz não viria até a Vila.
A distância era pouca, cerca de 20km, mas o barro – ah, o
barro! – deixava a estrada muito difícil.
E lá se foram eles.
Desliza pra cá, desliza pra lá, mas seu João Pereira, habilidoso,
conseguiu levar o carro ao destino.
E os noivos se tornaram “marido e mulher, até que a morte os
separe!”.
Felizes, retornaram. Agora, para a festa.
E o pé-de-bode desliza pra cá e pra lá, e de novo pra cá e pra lá.
A chuva não dava folga e a estrada parecia ensaboada. Tanto que, ao chegar na
Setilha*, o carro emplastra todo e não sai mais do lugar.
Os homens descem, limpam um pouco do barro e começam a empurrar.
Empurra daqui, empurra dali e…nada!
Depois de muito empurra-escorrega-cai-levanta-empurra, metro a
metro, conseguiram chegar e foram direto para a casa onde seria a festa.
Felizes, muito felizes – apenas os noivos, é claro, pois os
demais estavam num mal humor de dar dó – desceram do carro. Adelina ajeitou o
melhor que podia o vestido que fora branco.
Entraram na sala e….ninguém e nada!
A festa já havia terminado!
* pé de bode: apelido dado ao Ford T
* Setilha: Sete Ilhas, originalmente.
* Professora, pintora e escritora
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