segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Um grande dia

* Por Ana Deliberador


Maio de 1930.

Chovia tanto que parecia que o céu vinha abaixo. Tudo alagado: quintais, ruas, casas…

O rio rugia, mesmo à distância.

Adelina, no entanto, nada enxergava à sua volta. Hoje seria o dia mais feliz da sua vida: finalmente iria se casar com Amâncio.

Pulou da cama, correu para o banho. A água da bacia já estava temperada: nem quente, nem fria.

Lavou-se caprichosamente, vestiu a roupa de baixo, de renda, o saiote de arame e alpaca e, finalmente, o lindo vestido. Tudo branco.

Olhou-se no espelhinho pendurado no prego: estava deslumbrante!

Mal acabara de se aprontar, ouviu o chamado na porta. O noivo, as testemunhas e o seu João Pereira – que iria dirigir o pé-de-bode* até Sertanópolis já que, com aquela chuva, o juiz de paz não viria até a Vila.

A distância era pouca, cerca de 20km, mas o barro – ah,  o barro! – deixava a estrada muito difícil.

E lá se foram eles.

Desliza pra cá, desliza pra lá, mas seu João Pereira, habilidoso, conseguiu levar o carro ao destino.

E os noivos se tornaram “marido e mulher, até que a morte os separe!”.

Felizes, retornaram. Agora, para a festa.

E o pé-de-bode desliza pra cá e pra lá, e de novo pra cá e pra lá. A chuva não dava folga e a estrada parecia ensaboada. Tanto que, ao chegar na Setilha*, o carro emplastra todo e não sai mais do lugar.

Os homens descem, limpam um pouco do barro e começam a empurrar. Empurra daqui, empurra dali e…nada!

Depois de muito empurra-escorrega-cai-levanta-empurra, metro a metro, conseguiram chegar e foram direto para a casa onde seria a festa.

Felizes, muito felizes – apenas os noivos, é claro, pois  os demais estavam num mal humor de dar dó – desceram do carro. Adelina ajeitou o melhor que podia o vestido que fora branco.

Entraram na sala e….ninguém e nada!

A festa já havia terminado!

* pé de bode: apelido dado ao Ford T

* Setilha: Sete Ilhas, originalmente.
  

* Professora, pintora e escritora


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