Descoberto
o filme que o Brasil não podia ver
* Por
Urariano Mota
Chegou para mim, hoje,
a revelação de que, finalmente, o Brasil pode ver o documentário que há muitos
anos, jornalistas brasileiros e pesquisadores desejavam ver.
Há 5 anos que o
procurava. Em registro público, em agosto de 2012 publiquei um texto sobre a
minha busca pelo documentário “Brazil: The Troubled Land”. Esse é um filme que
narra a luta pela terra em Pernambuco, realizado para a rede de televisão
norte-americana ABC, com imagens de 1961. Mas ninguém sabia informar, até
parecia uma lenda. Ao fim de muitas buscas, descobri que o filme existia na
Universidade Indiana. Agora seria fácil, pensei. Mas a resposta não tardou, no
inglês que traduzo aqui livre e mal:
“Agradeço pelo contato
para a pesquisa do filme Brazil: The Troubled Land. Ele pertence ao arquivo da
coleção da Biblioteca da Universidade de Indiana. Reenvio para a arquivista
responsável”, que respondeu:
“Para o acesso ao
filme que você pesquisa, o ‘Brazil: The Troubled Land’, nós não o temos
digitalizado ou em cópia para ser visto. No momento, o filme está disponível
somente nesta biblioteca, ou então, se você desejar obter permissão do
proprietário dos direitos autorais, nós poderíamos fazer uma cópia em DVD para
você emprestar ao escritor brasileiro. A McGraw Hill é a editora dona do
filme”.
Mas a poderosa McGraw
Hill, apesar dos meus pedidos, nada me respondeu para a liberação de uma cópia.
Em desespero de causa, cheguei a solicitar até mesmo a compra de um exemplar,
com a ajuda, é claro, de outros jornalistas brasileiros, que também o
procuravam. Nada. Mais uma vez, por razões de Estado primeiro, depois por
razões do capital, o Brasil deixava de ver a própria cara, num flagrante das
relações históricas de opressão em 1961.
The Troubled Land
havia sido visto nos Estados Unidos, onde alcançara grande repercussão, mas
nunca passou nos cinemas ou na televisão brasileira. O Conselho de Segurança
Nacional o julgara inconveniente para os padrões nacionais.
Mas não desisti. Quase
um ano depois, em março de 2013, publiquei um texto cuja introdução observava
que a melhor diferença da imprensa na web sobre a do grande capital era a
liberdade de pensamento. E que havia um valor a mais de um texto na internet
sobre o de papel: era a sua permanência, com acessos infinitos no tempo e
espaço para a leitura. Assim havia sido com a coluna "Procura-se um
documentário sobre o Brasil”, publicada em agosto de 2012. Ela me fizera
receber um presente que eu não imaginava.
Recebi então fotos
históricas do filme, e a revelação (perdoem a palavra) de um fotógrafo de 76
anos, em 2013, que os estudiosos do cinema não sabiam existir. Era o espanhol
Fernando Martinez Lopez, que me enviara fotos maravilhosas em preto e branco do
documentário “Brazil, the troubled land”. Fernando Martinez, a partir das
perguntas feitas por este curioso, assim se apresentou:
“Após busca entre 4000
negativos, encontrei as fotos, algumas estragadas pelo tempo. Sou espanhol,
casado com brasileira e filhos e netos brasileiros. Trabalhei no filme como Still
fotógrafo e também como cinematographer....
Helen (Helen Rogers, a
diretora do documentário) era uma americana bonita e muito inteligente, casada
com um cineasta, eles deixaram dois filhos. Para mim, ela era pró-Estados
Unidos, pois este filme foi feito justamente para que o Brasil não se tornasse
uma nova Cuba. (Negrito do colunista) Foi filmado na Zona da Mata de
Pernambuco, para filmar a vida de um camponês. Na feira de Carpina encontrou um
Severino, cortador de cana, que trabalhava para Constâncio Maranhão. A filmagem
demorou aproximadamente 25 dias, tendo a contribuição da Sudene para transporte
etc.”.
Então vinham raridades
nas fotos: Helen Rogers, Francisco Julião, Eva (tradutora) e Bill Hartigan. Era
um flagrante da política traiçoeira dos Estados Unidos, que enviara uma bem
intencionada cineasta ao Nordeste do Brasil, para que documentasse uma nova
Cuba em território pernambucano. Mas o filme que era bom, mesmo, nada. E assim
se passaram mais de dois anos.
Hoje, me chega pelo
face um recado, postado pelo jovem historiador Felipe Genú, com estas palavras:
“Senhor Urariano, li
um texto seu de 2012, onde o senhor estava à procura do documentário The
Troubled Land, da ABC. O senhor já o encontrou?”
Respondo:
“Não, Felipe, ainda
não. Eu desejava mais esse documentário quando escrevia o meu romance "O
filho renegado de Deus". Mas o meu interesse continua.”
E o imprescindível
pesquisador Felipe Genú:
“Senhor Urariano, eu
sou historiador, e no momento estou escrevendo uma dissertação sobre o Teatro
de Cultura Popular do MCP, do governo Arraes. Depois de ouvir falar no The
troubled land, fiquei muito interessado, e pesquisando encontrei uma versão
dele posta na internet pela School of Cinematic Arts. Eles o postaram num site
chamado vimeo. Basta o senhor se cadastrar e buscar ‘Brazil The troubled land’
que vai aparecer o documentário”
Tudo que pude
responder foi:
“Genial, Felipe. Muito
obrigado, rapaz”.
E agora, amigos, para
todo o Brasil, o vídeo que o grande público não podia ver, que era uma
verdadeira lenda de pé de cobra. Vejam Francisco Julião em 1961, Celso Furtado
na Sudene em entrevista, o latifundiário Constancio Maranhão a se exibir dando
tiros para mostrar qual era a sua lei para os camponeses sem terra.
*
Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da
redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações
Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici, “Soledad no Recife”, “O filho
renegado de Deus” e “Dicionário amoroso de Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao
ensino em colégios brasileiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário