Cine Luxor
* Por
Marcelo Sguassábia
Vinte e quatro quadros
por segundo. A ilusão do movimento no seu olhar desiludido, em jogos de luz e
sombra. Veio porque é domingo, depois da igreja e do almoço só pode haver o
cinema. As manhãs preguiçosas do domingo, as tardes estéreis do domingo, as
noites insuportáveis do domingo trazendo o nojo inevitável da segunda.
Ceda. Deixe estar, não
há o que possa ser feito. Nada como uma inocente matinê quando o oco da
existência se apresenta e toma assento. É, está sentado ao seu lado com aquela
cara impassível e pagou meia, o espertinho.
Lá fora o mundo é
lesma, um esparramar demoroso. Só o que prossegue é a sessão nesses rincões
esquecidos. Uns poucos bem-te-vis pousados nos beirais do palácio branco em
frente ao jardim. Num dos quartos alguém decerto faz a sesta reparadora. Passe
pelo corredor, pare na sala. Os retratos a óleo simetricamente dispostos, os
móveis espanados. Os ricos fartos do seu manjar, seus rostos sentindo agora a
felpa dos veludos. Estão em paz com seus corpos e saciados em seus haveres.
Pegada à mansão, a
escola. Muda e descorada, descansa solenemente da algazarra dos meninos. Em
preto e branco e câmera lenta, um cachorro erguendo a pata e urinando no pneu.
Todos na Vila Alva cheios como pneus – do dia que não acaba, das horas que não
passam, da notícia que não chega. A rotina sem novidades de qualquer ordem,
substancial e definitiva como um paralelepípedo. É o momento em que o olho pede
lupa, a alma pede ânimo e cada coisa estática mostra a crueza que tem.
Espere um pouco. Volte
ao filme. Rebobine, projecionista. Dez minutos de devaneio e lá se foi o enredo
da história. Se alguém perguntar qual filme viu, não saberá responder. Abra uma
bala. Chore, chorar faz bem. Nem vão reparar, tão pouca gente aí dentro.
Estúdios de animação do mundo todo, uni-vos para animá-lo. Depressa, antes que
lhe arrastem mil elencos de fantasmas e vilões. Lanterninha, acuda lançando luz
sobre seus olhos marejados.
A perna dorme, o corpo
cansa no estreito da cadeira. Cruze os braços, tente entender os diálogos sem
olhar as legendas. Durma. Faça como a perna: durma. Tanta gente paga ingresso
de cinema para dormir. Jogue-se num triplo mortal ao centro da tela. Deixe-se
ser o mocinho desse roteiro caótico. Corta. Câmera abre o enquadramento e faz
uma lenta panorâmica por toda extensão do que você foi até agora. Basta de
fazer o cartaz do filme alheio. Veja a platéia vendo você dentro da fita,
brilhe, acene, dê autógrafos, sinta aos seus pés o tapete vermelho da entrada
do Oscar. Perpetue-se no celuloide. Coragem, vá. Queime de uma vez os negativos
desses dias: bem-vindo à avant-première de si próprio, em doube surround e
pleno de efeitos especiais. A comédia de levezas indizíveis, com o sapateado
frenético dos musicais da Metro. Até a bilheteira rói as unhas, torcendo pelo
seu final feliz. Se não pela sua vontade, ao menos pela bilheteira seja feliz
para sempre. The End.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Alguns filmes são lentos em demasia e neles acontecem menos coisas do que numa tarde de domingo. Aqui na plateia, mais coisas do que lá. Uma maneira diferente de ver uma sessão de matinê.
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