Xadrez
para o rei, hospício para a rainha
* Por
Marcelo Sguassábia
Teleguiada, a rainha
não pensa. O sapiens que a concebeu e a colocou onde está não foi sapiens o
bastante. Tem poderes de rainha e age como boba da corte. Por seu raciocínio
notavelmente desarticulado, seus asseclas deveriam orientá-la a calar-se, abdicar ao trono ou
acatar um tutor.
Alguns, mais próximos,
até tentam sugerir-lhe uma postura, ainda que falsa, de humildade. Mas a
déspota ignora conselhos, recusa-se ao diálogo, rebela-se, escuda-se em
arrogância e movimenta-se doentiamente pelo tabuleiro, em jogadas desconexas e
proibidas pelas regras, legitimando-as à custa de patacas distribuídas aos
ocupantes das duas torres. A torre da direita e a torre da esquerda. Assim a
rainha empurra, com a recém-diminuta barriga, a interdição que lhe caberia em qualquer
reino do mundo, menos no teatro de comédias onde a partida tem lugar.
Como em toda peleja
oficial, nessa também há juízes. Alguns incorruptos e outros de juízo comprado,
nomeados pelo rei para livrá-lo do mate. Em sua imparcialidade de fachada, fazem
que não veem os cavalos andando em círculos, os bispos sorrateiramente
abduzidos do exército adversário, as rasteiras que aleijam toda a trincheira de
peões. Seguem aplacando sua consciência intranquila e sua justiça
injustificável alegando outras tantas e presumíveis fraudes do antigo dono do
tabuleiro. Saem batendo seus martelos viciados no argumento de que, se nas
partidas anteriores se roubava impunemente, é justo que agora também se faça
vista grossa. Questão de equanimidade.
Tudo isso entre uma e
outra colherada de caviar, superfaturado como o rechaud em que é servido. O
rei, momentaneamente acuado e clamando ajuda de exércitos fronteiriços, promete
lances triunfais e redentores, um revide messiânico que trará aos desvalidos a
terra prometida. Mas até os peões já entenderam que o discurso é um emaranhado
de tolices, potencializadas pelo efeito da bebida. E o que o rei de araque,
muito em breve, há de prender-se em seu próprio jogo.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
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